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EP.9. RECOMEÇOS

DUDA

terça

12h58


Vamos lá, pontualidade não é exatamente o meu forte, mas isso é quando eu estou jogando Woods Gods. Como eu queria muito participar daquele projeto de extensão, decidi não passar na sala do time entre o almoço e o horário do treinamento, porque não iria dar certo. Dessa forma, consegui chegar cedo.

Seguindo a dica de Jae, estava vestindo roupas justas e confortáveis, chinelos e o cabelo preso. Ele tinha falado em rabo de cavalo, coisa que eu quase nunca fazia, mas garanti que meu coque era bem preso e daria certo. Eu já tinha costume de treinar com ele.


Fiquei esperando na porta da sala de taekwondo, junto a outros alunos. Pontualmente às 13h, as portas abriram, e nós fomos entrando. Lá dentro estavam, já trajados com kimonos específicos, o treinador Alfa e Jae.

— Sejam bem-vindos! — disse o treinador. — Podem deixar os chinelos na entrada e subir no tatame.

Os alunos, muitos dos quais pareciam ser do curso de Artes de Combate, se posicionaram de forma distribuída pelo tatame.

— Hoje faremos apenas uma iniciação — explicou o treinador Alfa. — Após o treino, o Youngjae, nosso monitor, irá distribuir os kimonos de vocês, para uso a partir do próximo treino.

Olhei para Jae, com uma expressão curiosa, como se dissesse “você é o monitor”. Ele sorriu e deu de ombros, simpático. Realmente, com o tanto de informações que ele me deu, e tendo ele mesmo colocado meu nome na lista, já estava óbvio.

O treinador comandou o aquecimento e, depois, o treinamento, sempre com a ajuda de Jae. Como eu já tinha treinado antes, foi tudo bem tranquilo para mim. Alguns calouros, mesmo do curso que sediava o projeto, tiveram um pouco mais de dificuldade.

Quando o treino acabou, eu fiquei com pressa para ir para a sala de e-sports, mas notei Jae me chamando com a expressão, que parecia dizer "me espera"! Eu assenti e esperei ele próximo à porta.

Começamos a andar juntos para fora da área de Artes de Combate.

— Gostou do treino? — perguntou ele. 

— Claro! Eu amo taekwondo, e o treinador Alfa ensina muito bem. Mas admito que eu não estava esperando que você fosse o monitor. 

Ele deu de ombros e riu um pouco, segurando a alça da bolsa esportiva dele com as duas mãos.

— Achei que fosse um pouco óbvio — contou ele. — Já que eu soube antecipadamente e te inscrevi com preferência.

— Faz sentido — eu disse. Parte de mim sentiu que Youngjae estava tentando deixar claro que ele tinha me feito um favor, como se ele fosse cobrar de volta em algum momento.

— Você vai pro Woods Gods agora, né?

— Isso — confirmei. — Vou só passar no dorm pra trocar de roupa.

— Show. Você quer tomar um café comigo na hora do lanche?

Eu parei de andar na mesma hora. Estava um pouco assustada com a rapidez com que ele estava querendo se aproximar de mim. 

— Jae, eu tenho namorado.

Ele parou também e me encarou, com uma expressão confusa.

— Eu sei. Você namora o Guilherme. Eu só te chamei pra tomar um café.

Ele riu um pouco, e eu também ri, sem graça, continuamos andando.

— Me desculpa — eu disse.

— Eu quem peço desculpa se pareceu outra coisa — completou ele, enquanto saíamos do prédio. 

Eu me virei levemente para o caminho que levava até o prédio, mas senti que ele ainda estava inquieto, ainda tinha algo a dizer. Ele olhou brevemente na mesma direção e depois voltou a me encarar, entendendo que iríamos para caminhos diferentes.

— Duda, eu acabei de terminar um relacionamento — lembrou ele. — E, tipo assim… eu ainda sou completamente apaixonado por ela. Eu nem sei se um dia eu vou conseguir esquecer, se eu vou conseguir me interessar por outra pessoa, mas… se acontecer, vai ser um processo longo, e vai demorar muito tempo ainda.

Ele falou tudo aquilo de forma natural, mas foi muito doloroso de ouvir. De repente, parecia claro para mim que Jae não queria se aproximar de mim e de Maya por qualquer interesse romântico, mas ele sentia necessidade de amigos. Ele precisava ser ouvido e acolhido.

Aquela situação pela qual nos aproximávamos poderia ou não ter relação com a nossa amizade com Sunny, mas parecia ser mais uma coincidência. A minha entrada no projeto de extensão com a ajuda dele fora combinada muito tempo antes. E, no caso da Maya, nós mesmas o procuramos, por indicação da própria Sunny.

Jae também não ganharia nenhum benefício por nos ajudar. Não se aproximaria de Sunny, nem faria ciúme a ela. No fim das contas, ele ainda era resiliente por não recusar ajuda a nós.

— Então, 16h na lanchonete? — perguntei, começando meu caminho para o dormitório, mas de costas para continuar o contato visual.

Ele sorriu. Um sorriso pequeno, sincero e um pouco aliviado.

— Combinado — disse ele.

Eu assenti e me virei para seguir meu caminho.



MAYA

quarta

14h53


Encontrei Youngjae em frente ao auditório Ares. Da última vez que estive ali, uma das minhas melhores amigas acabou reencontrando o pai. Eu estava prestes a fazer o mesmo, mas, dessa vez, eu era a surpresa.

Quando me avistou, Jae abriu um sorriso de empolgação misturado com nervosismo.

— Pronta? — perguntou ele.

Eu dei um longo suspiro e assenti.

— Pronta.

Entramos no auditório.

Muitos alunos estavam reunidos, alguns conversando em pé, outros sentados esperando o início da palestra. Peguei assuntos soltos sobre provas, tipos de soco e affairs.

Passamos pelo grupinho de Felipe, e eu acenei para ele, sorrindo. Eu nunca tinha estado em um relacionamento sério com alguém. Era o primeiro namoro dos dois, e parecíamos dois adolescentes com sorrisos idiotas e levemente encabulados.

Jae me levou para a segunda fileira, como da outra vez. Nos acomodamos e ele olhou para mim, como se buscasse alguma expectativa e quisesse me tranquilizar. Eu estava calma, por enquanto, mas ainda assim muito ansiosa.

Pontualmente às 15h, o supervisor Kim apareceu no palanque.

— Caros alunos e mestres, damos início agora a mais uma palestra da Semana Acadêmica de Artes de Combate. Para a palestra “Exército e o Povo: A integração das instituições protetivas com a sociedade”, quero chamar ao palco nosso convidado Major Lucas Fujita, formado em Artes de Combate pela Drim University e major do 72º pelotão do Exército Jesveriano.

Quando o supervisor Kim terminou de falar, meu pai entrou no palco vindo da coxia, sendo aplaudido por todo o auditório. Estava usando sua habitual farda azul cheia de medalhas.

Ele ainda era o mesmo de sempre. Fazia tanto tempo que eu não o via que aquilo não parecia real; poderia ser um vídeo, ou até mesmo um sonho.

Eu não consegui prestar muita atenção no conteúdo da palestra. O palco era preenchido por hologramas que iam guiando a palestra, e também iluminavam o rosto dele em azul, o deixando ainda mais parecido com a miragem. Com o passar do tempo, notei novas rugas que não estavam lá antes, o cabelo loiro com um corte um pouco diferente no cabelo; mudanças sutis, mas ainda era ele. Lucas Fujita.

Quando a palestra acabou, foi aberto para perguntas. Só dois alunos as fizeram, enquanto eu esperava ansiosamente eles se calarem para encerrar tudo de vez. Por fim, o supervisor Kim encerrou e agradeceu a todos pela presença.

Meu pai voltou para a coxia enquanto a maioria dos alunos se dispersava. Jae olhou para mim.

— Vamos? — perguntou ele.

Eu hesitei um pouco e assenti.

Nos levantamos e acompanhei Jae. Subimos no palco, entramos na coxia e fomos até o camarim, que estava com a porta aberta. Jae apareceu no vão e bateu nela com os nós dos dedos.

— Com licença. Senhor Fujita?

Eu apenas ouvi a voz dele.

— Ah, oi! Youngjae, não é?

Jae virou um pouco o rosto. Claramente, ele não conhecia o meu pai, mas o próprio fez questão de explicar.

— Você com certeza não se lembra de mim — disse ele, rindo um pouco — mas eu sou amigo do seu pai.

— Ah, sim! Bem que o rosto do senhor era um pouco familiar. E isso é bem curioso, já que eu também conheci alguém da sua família.

Jae olhou para mim, e eu apareci no vão da porta, olhando na direção onde meu pai estava.

Ele abriu um grande e surpreso sorriso, embora não parecesse espantado. Depois, com a sutileza de sempre, ele abaixou os ombros, recuperando a calmaria, embora o sorriso ainda estivesse ali.

— Oi, Maya.

— Oi, pai — eu disse, indo abraçá-lo.

Foi um abraço bem forte, e um tanto longo, para dar conta da saudade acumulada durante aqueles anos. Ainda estávamos nele, quando Jae disse.

— Eu vou dar licença a vocês.

— Obrigada, Jae — tive tempo de dizer, antes que ele saísse.

Meu pai me soltou e me encarou, segurando meus braços.

— Então quer dizer que você agora é uma aluna da Drim University.

Eu ri um pouco.

— É isso aí. A era universitária chegou.

— Pelo visto você tem muito para me contar — disse ele, se sentando em uma das cadeiras que havia ali, enquanto indicava que eu fizesse o mesmo.

— Tenho, mas acho que você já sabia que eu estaria aqui.

— Muito perspicaz. Não consegui fingir surpresa, né? Seu tio me contou em carta. Aliás, foi muito difícil convencê-lo?

— Um pouco. Mas eu precisava vir. Digamos que… chegou a hora de viver minha própria vida.

Ele escondeu um sorriso.

— Acho que deixar você com seu tio não foi uma boa ideia. Ele te atormentou muito?

— Não é pra tanto. É só que… ele queria controlar meus passos. Ainda quer. E eu entendo que ele se preocupe mas… eu não tenho mais idade pra isso.

— Eu deveria saber. Achei que tinha tomado a melhor decisão, mas esqueci que Mateus pode ser um pouco intenso com regras. Está gostando da escola, pelo menos?

Eu abri um sorriso.

— Sim. Tudo aqui é muito grande e há muitas coisas para fazer. A estufa daqui é maravilhosa.

Ele riu.

— Com tanta coisa, o que te impressiona é a estufa?

Dei de ombros.

— Pode ser só mais do mesmo, mas é um grande mais. Bom, eu também tô no time de vôlei. Tentei entrar pra arqueria, mas ainda não rolou.

Ele assentiu.

— E conseguiu fazer amizades?

— Claro, todo mundo aqui é muito legal. Eu e minha roomate amigamos com a Sunny, a filha da diretora. E também tem o Jae, que você viu aqui… Os amigos do clube de jardinagem, as meninas do vôlei… E…

Felipe. Eu deveria ou não contar? Bom, eu não sabia quando veria meu pai de novo e.. bem, ele não era tio Mateus.

— Eu também estou namorando.

Meu pai ergueu as sobrancelhas, ensaiando um sorriso.

— Uau! Nada de pequenos passos por aqui. Fico feliz por você, filha. Imagino que ainda seja cedo para eu conhecer, mas me fala um pouco sobre.

Eu ri um pouco. Realmente, eu ainda não queria que eles se conhecessem. Tudo era muito novo, e eu precisava dar um passo de cada vez.

Levando em conta o que tio Mateus disse, havia grande chance de meu pai já conhecê-lo e de ter a mesma impressão ruim. Então, comecei logo jogando as cartas na mesa.

— O nome dele é Felipe Rider.

Depois de dizer isso, fiquei esperando alguma reação, mas meu pai só parecia curioso para saber mais. Ao que parecia, a fofoca não tinha chegado no nosso bairro. Um pouco mais aliviada, eu continuei.

— Ele também é miraiano, um feiticeiro, e frequenta a estufa. O curso dele é aqui, Artes de Combate.

— Hum, então ele assistiu minha palestra?

— Assistiu. Depois vou perguntar o que ele achou — eu ri.

— E, claro, eu vou ter que perguntar de novo: seu tio já sabe disso?

Recuei um pouco.

— Ele sabe que eu o conheço, mas já veio com cinco pedras na mão, então… eu achei melhor não contar.

— Como assim com cinco pedras na mão? Ele nem conhece o rapaz, conhece?

— Não muito, mas… Ele morava lá no vale do tio, então rolou algum tipo de boato sobre ele e a família.

Meu pai ficou me encarando por um tempo, analisando a situação.

— Maya… Eu sempre vou ser grato a Mateus por estar tomando conta da nossa casa e de você na minha ausência, mas… ele não pode mais mandar na sua vida. Primeiro, porque você é minha filha, não dele. Segundo, porque você já tem idade suficiente para cuidar de si mesma e tomar suas próprias decisões.

— Eu acho isso também, mas… sempre fico pensando se não foi muito egoísta da minha parte. Sabe? Deixá-lo.

Meu pai negou com a cabeça, sorrindo.

— Você seguiu o seu coração, e essa é sempre a melhor decisão que alguém pode tomar. Digo isso em relação à Drim e também em relação ao seu namorado. Você cresceu, e está tendo mais responsabilidades; mas eu te conheço bem, e sei que é corajosa o suficiente para lidar com elas. Com tudo isso. Mas não deixe de aproveitar essa época. É um período de amadurecimento, mas também de diversão.

Eu assenti. Àquela altura, eu estava quase chorando, um choro bom de alívio. Eu precisava tanto que ele me dissesse aquelas coisas, e eu nem fazia ideia da falta que aquilo tudo fazia. Me levantei e fui abraçá-lo.

Ficamos mais um tempo abraçados e depois conversamos mais, especialmente sobre a mamãe. Ela estava num cargo ainda mais alto que ele e tinha ainda mais responsabilidades, então eu não a veria tão cedo. Eu não me importei tanto, já que era bem mais ligada ao meu pai.

Mais tarde, vieram chamá-lo para voltar ao quartel e seguir com sua agenda. Eu saí do auditório, determinada a encontrar Felipe. Para minha sorte, ele estava suspeitosamente sentado em um banco que ficava de frente para a entrada do auditório. Estava lendo alguma coisa na pulseira, certamente me esperando sair.

Eu corri até ele, peguei-o pelo braço e o arrastei pelo varandão.

— Eita, que pressa é essa? — perguntou ele, confuso. — Aonde estamos indo?

Eu o levei para trás do prédio, um pequeno corredor entre o prédio e o muro da universidade. Um esconderijo que era bastante frequentado, mas tinha em todo lugar.

Parei e me virei para Felipe, que ainda estava confuso e um pouco cansado pela correria. Ele franziu o cenho, como se perguntasse “o que houve?”.

— Eu só precisava dizer que eu te amo. E que estou muito feliz por ter te conhecido, e por poder passar esse tempo com você.

Ele abriu um sorriso emocionado.

— Achei que a gente já tinha conversado sobre surpresas — disse ele. — Não pode me deixar bobo assim do nada.

Eu mordi o lábio, rindo.

— Eu vou esperar você me surpreender a qualquer momento.

Ele se aproximou e me beijou.

Ficamos ali por muito tempo, até dar a hora do treino.


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