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EP.8. HIPNOSE

SUNNY

10h45

Segunda


Eu não tinha planos de voltar para a aula; fui andando automaticamente para meu lugar de conforto, a arquibancada do ginásio. Mas, logo, comecei a pensar que aquele lugar me faria pensar em muitas coisas que eu não queria. Lembrar de momentos do passado, e me preocupar com os momentos do futuro. Então, selecionei rapidamente um novo lugar de conforto: a biblioteca.

Era a decisão óbvia. Um lugar onde eu poderia me esconder e não seria incomodada por nada. Fiz check-in na biblioteca e me embrenhei nas estantes de livros de ficção. Escolhi qualquer um que me agradasse pela capa e sentei no chão no fundo do corredor para apoiar as costas. Coloquei fones e dei play em uma playlist de conforto, com músicas calmas. Em seguida, comecei a ler, sem prestar realmente muita atenção. Só estava esvaziando minha cabeça. Também tirei a pulseira para não receber mensagens ou ligações.

Um fato: eu poderia ter ido para meu quarto. Não ter roommate era um dos privilégios aleatórios de ser filha da diretora e do ex-reitor. Ainda assim, eu preferi ir para um lugar fora do habitual, para me livrar de qualquer tipo de sentimento.

Mais tarde, saí para almoçar fora do campus, para ter certeza de que não veria ninguém no refeitório. Mandei uma mensagem de voz para o time, dizendo que não haveria treino, porque eu não estava bem, e que não queria que alguém comandasse o treino do meu lugar. Também passei a tarde fora do campus, em um parque que ficava a algumas quadras.

Quando estava chegando a noite, eu voltei para o campus, indo direto para o meu quarto. Coloquei um short de lycra, um top de ginástica e a regata fitness da atlética, além dos tênis tipo all star. Fiz uma trança bem firme e desci para o CT.

Para ficar mais à vontade, fiquei só com o top, o que era comum nos treinamentos. Coloquei uma música nos alto falantes da sala e comecei fazendo um aquecimento e um alongamento, ambos mais intensos do que normalmente. Então, comecei a treinar tumbling, que era uma das coisas mais produtivas que eu poderia fazer sozinha.

Parei repentinamente quando notei que alguém tinha entrado na sala. Olhei para a porta, onde a criatura ainda estava. Era Taesung, com roupa de treino: bermuda, regata e tênis.

Abaixei a música pela pulseira.

— Não recebeu o aviso? — perguntei. — Não vai ter treino hoje.

— Recebi — disse ele, entrando na sala.

Fiz uma careta. Ele, mais do que ninguém, sabia que eu queria ficar sozinha.

— Quando você cancelou o treino — explicou ele — eu já sabia que você viria pra cá. Eu já te conheço bem o suficiente pra isso.

Eu queria ter ficado brava, mas não tinha como. Eu e Taesung estávamos mais próximos a cada treino, e isso era algo bom.

— Você vai mesmo ser tão inconveniente a ponto de interromper meu tempo de paz? — eu disse, sem nenhuma rispidez. Na verdade, ensaiava um sorriso, porque parte de mim estava feliz por ele ter aparecido.

— Só se você quiser isso — contou ele. — Eu vim pra ficar de prontidão, para caso você queira treinar stunt. Posso ficar mudo e invisível, ou ir lá pra fora até você chamar…

— Não precisa disso — eu o interrompi. — Eu preciso ocupar minha cabeça, mesmo. Só… não queria a seriedade de um treino.

— Ou a bagunça — ele riu, se aproximando enquanto alongava. — Aquele monte de gente falando ao mesmo tempo, tentando decidir coisas com uma discussão generalizada quando é só você quem tem a palavra final.

— Você tá tentando fazer eu me sentir especial ou pressionada pela função?

Ele deu de ombros.

— Eu gosto de como você lidera.

Eu não consegui acreditar no tanto que aquela simples frase me deixou boba, mas consegui não transparecer muito. 

— Obrigada — eu disse, baixinho.

— Então, treinadora, o que a gente vai fazer?

— Vamos começar com tumbling, pra aquecer. Eu já fiz bastante, mas você acabou de chegar, então…

— Beleza. 10 minutos e eu tô pronto.

Fizemos o treinamento inicial que foi proposto, e depois, partimos para o partner stunt.

Estávamos treinando uma sequência com elevação simples, dois pés e duas mãos, transição para um lib (flyer com um pé só) e um scale (posição em que a flyer segura o pé no alto). Depois, descida com cambalhota.

— Vamos fazer nossa sequência sem a cambalhota — eu disse. — Estamos sem spotter.

— E você não confia em mim — disse ele, fingindo-se de bravo — para te pegar na cambalhota.

— Vai por mim, tudo o que eu não preciso agora é de uma concussão.

— Eu sei — disse ele, abrindo um sorriso convencido. — Eu também não quero arriscar.

— Acho bom — eu disse, escondendo um sorriso, e me preparando.

Fiquei na frente dele e ele colocou as mãos na minha cintura. Fiz a contagem um-dois-três. Eu pulei ao mesmo tempo em que ele me impulsionava para o alto. Aterrissei com um pé em cada mão dele, equilibrando. Como era a primeira tentativa do dia, desequilibramos um pouco, mas conseguimos estabilizar.

Fiz a contagem para o lib. Levantei a perna direita, deixando o joelho na altura da cintura, e coloquei os braços abertos lateralmente para ajudar a equilibrar. Na transição, Taesung passou a mão esquerda para apoiar o pé direito.

— Segue — sugeriu ele, um pouco ofegante.

— Um; dois; três.

Fiz a transição para o scale. Virei 90º para a direita e segurei o pé esquerdo no alto da cabeça. 

— Um; dois; três.

Voltamos para o lib, e depois para a base normal. Por fim, a descida. Cada um com sua contagem.

— Até que não foi tão ruim — disse ele.

— Pra primeira, sem bases auxiliares, foi excelente — eu disse.

— Vamos mais uma? — perguntou ele.

— Claro — eu disse, me preparando mais uma vez.

Repetimos todo o processo, melhorando um pouco o equilíbrio na segunda vez.

— Bem melhor, né? — disse ele, respirando fundo.

Eu assenti.

— Nós dois somos bons, e dedicados. Vamos ficar feras bem rápido.

Ele concordou com a cabeça.

— Você quer colocar a música? — perguntou ele. — Tá meio silencioso.

Eu tinha passado o dia inteiro ouvindo música, até mesmo no treino antes dele chegar, mas… ouvir a palavra música me trouxe à tona o pensamento de que agora eu era filha de um deus menor da música. 

— Podemos — eu disse. — Não tem chance do deus menor da música aparecer do nada e fazer alguma apresentação escandalosa com dançarinos invocados magicamente, ou tem?

Ele deu uma boa gargalhada.

— Tá falando do seu pai? — perguntou. — Não sabia que ele era deus da música. E olha que eu deveria saber, como calouro do curso de música.

— Ele fundou o curso — eu disse.

— Disso eu sabia. Imagino que a parte divina tenha sido revelada hoje.

— É — confirmei. De repente, me senti uma idiota. — Paramos de treinar por causa disso… que droga. Eu não devia estar falando disso. O objetivo aqui é o oposto.

— Você pode falar disso se quiser — disse ele, gentilmente.

— Mas eu não quero… — expliquei, delicadamente. — Eu quero esquecer essa história por um tempo. 

Ele ergueu as sobrancelhas.

— Quer mesmo? Ou é só modo de falar?

Estreitei os olhos.

— Por quê?

— Porque eu consigo fazer você esquecer. Efeito momentâneo ou permanente, só depende de você. Posso adicionar uma sensação de paz. Não faço muito isso porque… bem, é artificial, mas numa hora como essas… pode ser o que você precisa. É como tomar calmante, ou qualquer outro remédio. Não é o ideal, mas é uma solução rápida.

Eu assenti com calma. 

— Acho que eu quero experimentar — confessei.

Ele tinha razão. Pensando por um lado, poderia ter sido uma ideia meio errada, mas era só por aquela noite. Eu assimilaria bem melhor aquela história depois de uma boa noite de sono.

— Ok — disse Taesung, ficando confortavelmente de frente para mim. — Qual a sua dose?

— Quero esquecer todos os assuntos relacionados à minha família só por essa noite. Até o amanhecer, talvez. 

— Tudo bem — ele deu mais um micro passo um pouco mais para perto, enquanto me encarava profundamente, atravessando minha alma com aquele olhar.

Eu não sei quanto tempo aquilo durou. A sensação era de ter mergulhado em um buraco negro por apenas alguns segundos.

De repente, a expressão dele mudou, voltando a ficar otimista como sempre.

— Vamos para mais um stunt?

Eu assenti, sorrindo.

Fizemos mais algumas sequências, melhorando um pouco a cada tentativa, como geralmente acontecia nos treinos.

Como não tivemos nenhum erro grave, nenhuma queda, eu decidi propor.

— Vamos tentar com a cambalhota?

Ele olhou para mim, chocado.

— Acha mesmo uma boa ideia?

— Se der errado você me pega, não pega?

Ele demorou um pouco para responder. Acho que não queria confirmar da boca para fora, porque aquilo não era brincadeira.

— Pego — ele disse, sério.

— Então, vamos lá.

Nos preparamos e iniciamos a sequência. Dessa vez, tinha um pouco mais de tensão no ar. Era uma tentativa mais séria, mas não deixamos isso nos abalar.

Executamos toda a sequência como antes, talvez até um pouco mais polida com o novo sentimento de responsabilidade. Ao fim da sequência, fiz a contagem para descer e, em vez de descer reto, fiz uma cambalhota. 

Eu já tinha feito aquilo algumas vezes. O que poderia dar de errado? Ir um pouco para a frente ou para o lado, e isso dependeria de Taesung ou dos spotters. No entanto, eu já tinha prática o suficiente para aterrissar no lugar certo. Portanto, finalizamos a sequência sem problemas.

Imediatamente, começamos a rir comemorando, e nos abraçamos. 

— De novo! — eu disse, e nos preparamos.

Fizemos aquela sequência mais duas vezes, até eu decidir tentar algo diferente.

— E se a gente fizesse o contrário? — sugeri.

— Como assim o contrário? — perguntou ele, assustado.

— Vamos fazer a descida normal, mas usar a cambalhota na subida.

— Acha que dá pra fazer isso? — ele ficou ainda mais chocado.

— Claro, eu já fiz. O princípio é o mesmo, mas subindo. Você me sobe e, lá no alto, em vez de só pousar, eu faço uma cambalhota.

— Faz sentido. Ainda é o tipo de coisa que eu preferiria treinar com um spotter, mas…

— Se você quiser desistir, ainda dá tempo — eu disse, em tom de provocação.

Ele estreitou os olhos.

— Ha ha. Até parece que eu, Kim Taesung, vou recusar um desafio desses. Mas, fique sabendo, se você cair e tiver uma concussão, a culpa é totalmente sua.

— Pode deixar, eu assumo o risco — eu disse, enquanto nos preparamos para subir. Fiquei na frente dele, ambos voltados para a frente.

— Você tá pronto? — perguntei.

— Tô.

— Eu já fiz isso, então, se der errado, é culpa sua.

— Obrigado por me pressionar — murmurou ele. — Mas eu ainda tô pronto.

Respirei fundo e fiz a contagem.

Saltei enquanto Taesung me impulsionava. Como combinado, no alto, eu fiz uma cambalhota. Foi quase perfeito, mas, quando eu estava quase pousando, Taesung não conseguiu me pegar. Felizmente, eu já estava na posição “de pé”, então ele conseguiu segurar minha cintura como se fosse uma descida normal, mas um pouco desajeitada. 

Tropeçamos um pouco na hora da aterrissagem e ele me segurou para eu não cair.

Nem que eu quisesse muito, poderia ignorar o jeito como ele me pegou. O corpo quente pelo esforço que estava sendo feito, um abraço aconchegante, um pouco molhado de suor, mas com cheiro de um bom desodorante masculino.

Eu ri um pouco, encabulada.

— Acho melhor não fazer isso de novo — disse ele, rindo no meu ouvido, o que conseguiu ser ainda mais sedutor que o abraço.

Uma parte bem pequena de mim pensou em Jae. Eu tinha acabado de terminar com ele, e claramente não estava pronta para outro relacionamento. Mas, como diz aquela música, “a dor do amor é com outro amor que a gente cura”. Se tinha alguém capaz de me fazer esquecer o Jae, esse alguém era Taesung.

Naturalmente, nos desvencilhamos. Eu virei pra ficar de frente pra ele.

— Sem querer apontar o dedo, — eu disse — mas foi culpa sua.

— Eu sei disso. Me desculpa — disse ele, um pouco envergonhado. — Não queria ter deixado você cair.

— É — eu disse, erguendo as sobrancelhas. — Acho que eu tive uma queda por você.

Ele abriu um sorriso tímido e olhou para baixo. Depois, voltou a olhar para mim.

— Nesse caso, seria muito ruim se acontecesse de novo — disse ele, em voz baixa e um tom levemente provocador. Claramente, não estávamos mais falando de stunts.

— Você deve ter me hipnotizado pra eu cair, ou não?

Ele sorriu.

— Jamais faria isso. É só meu charme natural. Deve ter sido suficiente para te desestabilizar.

— Foi mais que suficiente — garanti, assentindo. — Queria que seu charme natural me fizesse esquecer do resto do mundo, só por um tempo.

— Eu consigo — disse ele, convicto. — É só você fechar os olhos.

Eu sorri, e fechei meus olhos suavemente. Estava nervosa, mas não precisaria fazer nada. Senti a aproximação dele, lenta e cuidadosa. Senti a respiração dele no meu rosto. Ele segurou minha cintura, apoiando um pouco as minhas costas. Senti o rosto dele se aproximar do meu ouvido, onde ele respirou suavemente, antes de sussurrar, com a voz mais sexy já ouvida no mundo.

— Esqueça tudo.

Aquilo me arrepiou por inteiro. Meu corpo chegou a se contorcer um pouco. Depois, ele levou o rosto de volta para a minha frente, mantendo-o perto de mim. Finalmente, senti seus lábios ferventes, invadindo aos poucos meu espaço com uma pressão perfeita. Correspondi desde o primeiro segundo. Subi as mãos pelos braços definidos e expostos pela regata, enquanto ele também explorava minhas costas. 

Nosso beijo e os toques se intensificaram um pouco mais até chegar em um ritmo constante e frenético. Não sei quanto tempo ficamos naquilo, até que eu estivesse sem ar, e nos afastamos um pouco. 

— Acho que não vai mais ter treino hoje — disse ele, ofegante, e isso me fez sorrir.

— Vamos sair do campus — eu sugeri.

Ele ergueu as sobrancelhas.

— Eu topo!

— Legal — eu disse, me afastando. — Me encontra na portaria em meia hora.

— Combinado.



SUNNY

20h20

segunda


Existem alguns motivos para eu não querer permanecer no campus após ter um novo affair. Seria mentira dizer que o principal motivo não era a preocupação com a minha reputação. Eu tinha terminado com o Jae há pouco tempo e, se qualquer pessoa me visse com Taesung, isso poderia ser um desastre. Além de ser capitã do time, eu era filha da diretora e do ex-reitor que tinha acabado de voltar da morte (embora essa parte estivesse longe da minha memória àquela hora).

Em resumo, eu ainda lembrava que era uma pessoa muito importante na Drim, do tipo que os outros tomam conta da vida. Além disso, eu também queria me afastar daquele território conhecido e ficar mais à vontade com o Tae. Era segunda-feira, então os barezinhos deveriam estar vazios.

Depois de tomar um bom banho, coloquei um cropped prateado folgado, um short preto justo e uma sandália de tiras. Deixei o cabelo solto, puxando a parte da frente para prender atrás. Adicionei alguns acessórios, maquiagem e saí. 

Conforme combinado, eu e Taesung nos encontramos na frente do campus e saímos andando pela rua, em direção à área dos barezinhos. Eu sabia que ele já conhecia alguns, porque eram os que a atlética frequentava. Propositalmente, escolhi andar um pouco mais e ir para um lugar do tipo que a nossa galera jamais iria.

Como esperado, estava com poucas pessoas. Pudemos ficar à vontade e nos pegamos bastante, bebemos e dançamos, aproveitando a noite por algumas horas.

Bem mais tarde, quando estávamos mais calmos, ficamos sentados em um sofá do lounge, eu meio no colo dele. Ele estava beijando meu pescoço, quase me fazendo delirar, quando lançou o fatídico assunto.

— Você gostou dos meus poderes?

Eu sorri.

— Não sei de qual gostei mais. Hipnose que me dá paz ou charme natural que me enlouquece.

Ele me beijou mais uma vez.

— Eu também adoraria o seu, se soubesse qual é.

Fui obrigada a rir, jogando minha cabeça para trás. Então, o encarei.

— Não força a barra, Taesung. Você sabe bem que esse é o meu maior segredo.

— É — disse ele, com aquela voz sexy. — Eu sei. Só achei que eu tivesse ficado um pouco mais especial hoje.

Eu ri um pouquinho. Como eu poderia dizer a ele que a única pessoa de fora da minha família que sabia o meu poder era o Jae? E que ele ainda teria que tomar muito mais espaço na minha vida para chegar a esse patamar? Eu não diria.

— Você ficou mais especial. Mas ainda é cedo. 

Ele olhou para o relógio na parede. Depois, para mim.

— É verdade. São só onze horas — brincou ele, desviando do assunto.

— Acho que já deu por aqui. Vamos embora.

Ele ergueu as sobrancelhas.

— Pra onde?

Fingi estar pensando, mas já tinha tudo em mente.

— Que tal… meu quarto?

Ele escondeu um sorriso.

— Sua roommate não vai se importar?

Virei o rosto, encarando-o.

— Esse é um dos melhores privilégios de ser filha da diretora. Eu não tenho roommate.

Ele abriu um sorriso malicioso.

— Então o que estamos fazendo aqui ainda?


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