EP.6. PISCINA
- Jéssica Sanz
- 18 de jan.
- 22 min de leitura
MAYA
21h26
quarta
Depois do treino, fui tomar banho no ginásio, já que eu sabia que teria visita no quarto. Eu devo ter demorado um pouco pensando no que aconteceu antes do treino (digo, só a parte boa).
Coloquei um conjunto de moletom azul claro bem confortável que eu tinha trazido em uma guarda-tudo e fui para o quarto.
Quando entrei, Duda e Sunny já estavam conversando, sentadas no tapete com seus pijamas. Elas olharam para mim e sorriram.
— E aí gatinha? — perguntou Sunny. — Tá pronta?
Abri um sorriso, fechando a porta atrás de mim.
— Noite das garotas!
— Então pode chegar, já tá tudo pronto — disse Duda, enquanto eu me sentava. — Temos snacks, o filme tá no ponto… apesar de que vai ser mais um filme ambiente… e também temos skin care e esmaltes.
— É, eu sei, tudo isso tava na sinopse do rolê. Qual vai ser o filme, mesmo?
— Diário da Princesa — contou Duda.
Assenti, aprovando a escolha enquanto pegava um pouco de pipoca na tigela. Tudo o que vinha dos livros me agradava.
— É o meu segundo piquenique do dia — contei, com a boca cheia.
— Ééé, eu tô sabendo… — comentou Sunny, antes de dar play no filme. — Tava de passagem pela estufa e reparei o casalzinho ternura.
— Antes ou depois do Vermelho estragar tudo?
Sunny revirou os olhos, pegando nachos.
— Ai, eu odeio esse moleque. Não sei como você aguenta.
— É o tipo de coisa que se faz quando se está apaixonada — explicou Duda.
— E você sabe disso porque é mais uma — disse Sunny. — Como tá a situação com Guilherme, já andou alguma coisa?
— Não andou nada porque não tem nada pra andar — disse Duda, enfática. — Ele é só meu amigo, e capitão do meu time. Para de ficar inventando coisas, mulher!
Sunny começou a distribuir as faixas de pelúcia e as máscaras para rosto em embalagens individuais, enquanto falava.
— Desculpa, é que, agora que eu não tenho relacionamento, preciso me alimentar do romance dos outros.
— Ih, é mesmo — eu disse. — Que doideira. Então cada uma de nós está em uma situação. Sunny tá recém-solteira, Duda tá enrolada e eu tô namorando.
— Você tá namorando? — disseram as duas juntas, meio atrapalhadas.
A reação me fez rir um pouco. Coloquei a faixa na cabeça, de forma que todos os fios próximos do rosto ficaram embaixo dela.
— Tô. Oficializamos hoje, no piquenique.
— Que maravilha! — disse Duda, também com sua faixa. — Agora tem romance de sobra pra alimentar a esfomeada da Sunny.
Sunny deu um leve empurrão em Duda.
— Palhaçada! Você não sabe como me dá agonia ver que você e Gui não se desgrudam e ficam fingindo que isso não é nada.
— Deixa eles, Sun, acabaram de se conhecer! Eu que fui muito apressada e garanti um boy no segundo dia de aula.
— Isso, esquece a gente um pouco — disse Duda, e começou a abrir sua máscara. — Mudando de assunto, como foi a visita do seu tio? Foi tranquilo ou passou perrengue?
— Mais ou menos, Duda. A parte boa foi que ele trouxe meu irmão e minhas primas, mas ficou me enchendo de perguntas.
— Nossa, que barra — disse Sunny, olhando para cima enquanto colocava a máscara. — Seu tio é muito controlador, então?
— Nem fala. Não é de me proibir nada, mas quer ficar sabendo de cada passo que eu dou.
Apliquei a minha máscara.
— Que coisa — disse Duda, franzindo o cenho, como se estivesse com raiva do comportamento do meu tio. — Não me surpreende que tenha deixado os rodeios de lado com Felipe. Seus primeiros instantes de liberdade.
— E o seu pai? — perguntou Sunny. — Eu achei que ele tinha morrido como o meu, mas Duda já disse que não.
— O seu pai morreu? — perguntei a Sunny, desviando um pouco da pergunta por causa da surpresa.
— É — disse ela, meio murchinha, por motivos óbvios. — Foi no último semestre. Ele era o reitor, mas aconteceu um acidente.
A forma como Sunny pronunciou “acidente” me fez perceber que ela não acreditava muito naquilo.
— Eu sinto muito — eu disse.
— Não tem problema. Mas, então? Seu pai?
— Ele está servindo no Exército há alguns anos — contei.
— Ele tem alguma patente, ou…
— Eu não sei muito sobre isso. Só converso com ele por cartas, e não costumamos falar desse tipo de coisa. Mas eu acho que sim, ele parece ter algum tipo de privilégio… só não mais que a minha mãe.
Sunny assentiu, pensativa.
— Você sabe que semana que vem vai vir gente do Exército aqui pro campus, né?
Eu a encarei, incrédula. Não deve ter feito tanto efeito com a máscara no rosto.
— Como assim?
— Eles vêm de vez em quando dar palestras ou aulas especiais para os alunos de Artes de Combate. O Jae vive falando disso.
— Vivia — disse Duda, em tom de correção.
— Ué, ele ainda fala, mas não comigo — disse Sunny. — Enfim, vai ter a Semana Acadêmica do curso na semana que vem, e deve ter um monte dessas. Você poderia sondar pra saber se seus pais não estão pra vir.
— Mas adiantaria alguma coisa? — perguntou Duda. — O pessoal de Artes de Combate é tão reservado… Não sei se abririam a palestra para não-alunos.
— O Jae conseguiria isso — disse Sunny. — Ele tem uma certa influência no curso.
— Então vamos falar com ele — concluiu Duda, assertiva.
Eu pigarreei.
— Amiga? Ele e a Sunny não estão mais juntos, lembra?
— Eu sei, eu não quero que você ligue, Sun, mas nada impede que eu ligue. Quer dizer, você se importa?
Sunny deu de ombros.
— Se for ajudar a Maya… E, principalmente, se eu não tiver que falar com ele… acho ótimo.
Duda riu um pouquinho e comandou sua pulseira. Apesar disso, a ideia ainda me deixava desconfortável.
— Eu não sei se a gente deveria… — eu disse.
— Tá chamando! — Duda me interrompeu, com empolgação.
— Não tá meio tarde pra ligar? — murmurei.
— Alô?
— Oooi, Jae! — disse Duda, se fazendo de muito simpática, colocando um dedo na frente da boca para que eu e Sunny ficássemos em silêncio. — Tudo bem com você? Espero não estar incomodando uma hora dessas.
Sunny fez que não com a cabeça, com uma leve careta.
— Que nada! Eu costumo dormir tarde. E eu já tava querendo mesmo te ligar.
Eu e Sunny erguemos as sobrancelhas, surpresas.
— Me ligar? — perguntou Duda. — Por quê, o que houve?
— Eu disse que te avisaria quando abrisse um projeto de extensão em taekwondo, e acabou de abrir. Não precisa se preocupar com inscrição, já coloquei seu nome na lista.
— Nossa, mas já?
— É. Se quiser desistir ainda dá, mas achei melhor segurar a sua vaga.
— Você fez bem! Quando começa?
— Na semana que vem. Terças e quintas, das 13h às 15h.
— Ok. Acho que dá pra conciliar com o time.
— Com certeza dá. Mas me fala, o que você queria me dizer?
— Ah, então, na verdade eu tô precisando de um pequeno favor seu.
— Pode falar. Se estiver ao meu alcance, considere feito.
— Eu tô aqui com a Maya, que, você sabe, é minha roommate… Nós acabamos de descobrir que semana que vem vai ter palestras do Exército no seu curso. E os pais de Maya são do Exército, então teria como você checar se eles estão na programação?
— Claro. Só me falar o nome deles que eu olho agora mesmo.
Duda olhou para mim. Eu desenhei com os lábios o nome do meu pai.
— Lucas Fujita — disse Duda.
— Ok, eu tô olhando aqui… Olha, deu sorte! — ele pareceu feliz. — Ele estará mesmo no evento.
Eu me segurei para não gritar, e as meninas também ficaram super animadas, mas mantendo o silêncio.
— Que ótimo? Você acha que consegue levá-la?
— Claro! O evento é fechado para o curso, mas eu consigo uma exceção pra ela. — nesse momento, Sunny fez uma careta de “eu avisei”. — A palestra dele é na quarta, 15h.
— Tranquilo, vou avisar a ela.
— Show. Então, eu te encontro na terça, e encontro Maya na quarta. Combinado?
Sunny fez mais uma careta.
— Combinado! Até lá, Jae, e muito obrigada pela ajuda!
— Nada! Até lá!
Duda desligou e nós pudemos comemorar em voz alta. Quer dizer, eu e Duda. Sunny só sorriu, um sorriso bem convencido.
— Eu disse que ele daria um jeito.
— E ele foi até que bem solícito com as amigas da ex-namorada dele — comentei.
— É — disse Sunny. — Eu não sei se ele tá só sendo muito gente boa ou se tá tentando fazer algum tipo de joguinho.
— Realmente, usar a palavra “encontro” não foi a forma mais inocente de falar — concordou Duda.
— Enfim, podemos voltar para a noite das garotas agora? — perguntou Sunny. — Acho que já deu o tempo da máscara.
DUDA
14h05
quinta
Como sempre, quando entrei na sala do time, Guilherme já estava lá. Estava sentado na mesma estação que costumava, conversando espontaneamente com dois meninos da fileira à frente.
Quando eu me aproximei e sentei na estação ao lado dele, ele comentou.
— Tá atrasada.
Eu olhei para ele com uma expressão bem irritada.
— Só cinco minutos! — eu protestei. — Isso nem é atraso.
Ele começou a rir.
— Eu tô zoando, Duds. Você é a pessoa mais pontual e assídua desse time.
Dei um risinho de satisfação, e me virei para a frente para colocar meu header.
— Não queria falar nada, mas será que isso tem algo a ver com o fato de eu ser a única garota?
— Ah, pronto! — brincou ele, enquanto entrávamos no hall. Nossos avatares ainda estavam com a mesma aparência, que costuma-se trocar de vez em quando no header. — Em minha defesa, você não ganha de mim nesses quesitos.
Eu ri.
— Você é o capitão, e sabe que eu posso tomar o seu lugar se eu quiser — eu disse, com um tom debochado.
— Nem me fale! Eu nem durmo à noite pensando no seu golpe de Estado.
Nós rimos mais um pouco. Eu me lembrei de que precisava comunicar algo a ele, e aproveitei a oportunidade.
— Falando em pontualidade, — eu disse, com um tom um pouco mais sério e contido. — Eu vou passar a chegar mais tarde nas terças e quintas a partir de semana que vem.
— Hum… — disse ele, soando compreensivo, mas um pouco chateado. — Imagino que tenha entrado em um novo projeto.
Guilherme tinha um hábito agradável de não me perguntar coisas, apenas sugerir que eu contasse, se tivesse vontade. Mesmo assim, eu sempre tinha vontade de compartilhar as coisas com ele.
— Eu vou treinar taekwondo com o Jae. Ele me conseguiu uma vaga.
Continuamos configurando a sala e selecionando os personagens.
— Ah, o Jae! — essa frase soou como se ele de repente tivesse entendido tudo. — Que maneiro que ele tenha feito isso.
— É, achei bem legal da parte dele. Mesmo ele tendo terminado com a Sunny, que foi nosso contato inicial.
— É… — Guilherme pareceu desconfortável de repente. — Essa situação é bem delicada, né? Eu nem imagino como eles devem estar.
Eu senti que Guilherme sabia de algo que eu não sabia, mas achei melhor seguir o exemplo dele e não me intrometer em assuntos que não me cabiam.
— Eu sou amigo dos dois — comentou Guilherme. — Eles estão juntos há algum tempo, e pareciam ser um casal tão perfeito… Feitos um pro outro, se amavam de verdade. Agora, eu quase sinto que tenho que escolher um lado.
— Ah, você não tem que escolher. Olha, eu estava com a Sunny quando ele me ligou. Ela não achou ruim, nem nada… Mesmo significando que agora eu vou me aproximar do Jae.
A partida iniciou. Fizemos compras na base e fomos andando pela trilha leste.
Estávamos jogando como Jaci e Guaraci; na lore, eles eram um casal, e formavam um par perfeito. Ambos funcionam como atiradores e suportes e, quando juntos, criavam um mecanismo automático para alternar essas funções. Isso funcionou muito bem comigo e com Guilherme, já que tínhamos rapidamente criado uma conexão em nossa jogabilidade.
— Eu sinto que a Sunny quer esquecer o Jae completamente, então faz sentido esse comportamento… mas não posso dizer o mesmo do Jae. Eu acho que ele tá bem mal.
Assenti, meio sem saber o que dizer.
— Espero que esse novo treino ajude ele a arejar a cabeça.
Nos escondemos e esperamos as tropas chegarem. Eu senti que Guilherme estava diferente naquele treino.
— Aproveitando que você falou sobre seus novos horários — disse ele. — Eu preciso te avisar que eu vou precisar sair cedo amanhã. E você talvez precise.
Franzi o cenho.
— Como assim?
Os minions chegaram na trilha.
— Depois eu te conto. Vamos pegar esses caras.
DUDA
16h02
quinta
Fazia parte da nossa rotina parar às 16h para o lanche da tarde. Afinal, saco vazio não para em pé. Como eu e Guilherme treinávamos quase sempre nos mesmos jogos, nos acostumamos a ir juntos buscar essa refeição.
Avisamos ao time que estávamos indo e fomos caminhando para o refeitório.
— Então, eu tô esperando — comentei.
— O quê?
— O “depois eu te conto”. O que vai acontecer amanhã.
— Ah, bem lembrado! — disse ele, ficando sorridente, de repente. Alcançamos a fila e ele se voltou para mim. — Amanhã vai acontecer uma pool party na Deep Lake. Meu amigo que tá organizando, e é quase completamente para o pessoal da Deep Lake, mas ele me convidou… E eu tô convidando você.
Assenti, tentando fazer aquilo parecer ser mais normal do que realmente era. Meu coração gritava “é um encontro!”, desesperado pelo significado daquilo. Meu cérebro dizia “é só uma festa”.
— Eu achei que seria legal — continuou Guilherme, com muita naturalidade — te ver em algum lugar que não seja a sala do time, ou o refeitório.
— Bom ponto. A gente só faz isso, né? — nós dois rimos.
— Pois é. Não precisa me dar a resposta agora se não quiser, ou não puder.
Já perceberam como Guilherme é meio inseguro, às vezes? Mas parece que é só comigo, porque ele é um treinador bem firme, e também é assim na diretoria da atlética. Talvez ele tivesse medo que eu o atacasse com minhas garras repentinamente.
— Não, não, eu posso sim. Só me diz que horas mais ou menos a gente chega lá.
— Então, começa às oito…
— Às oito… da noite? — precisei interrompê-lo.
— É… — disse ele, sem entender meu estranhamento. — As pool parties daqui são de noite.
— Huhum, claro, claro. — eu disse, fingindo costume. Ele riu disso.
— Então, acho que chegar às nove tá de boa. O que você acha?
— Concordo. Às nove, então.
Agora, um pouco de contexto para vocês. Deep Lake não é um lago, nem um bar ou algo do tipo. É uma piscina que fica dentro do campus, e foi criada para uso dos alunos com afinidade aquática, como as sereias e os negros d´água; eles precisam ter contato com esse elemento com certa frequência. Apesar disso, algumas outras pessoas também utilizam, já que é a única piscina do campus que não é para fins esportivos.
O restante daquele treino foi um pouco diferente, agora que eu tinha um compromisso extracurricular com o capitão do time.
DUDA
20h50
sexta
Eu já tinha pensado que precisaria usar meu biquíni na pool party, mas só quando o coloquei eu percebi a gravidade da situação. Eu estava indo para uma festa de biquíni magenta. Uma festa noturna, com um garoto que poderia ou não ser um interesse romântico, além de um monte de gente desconhecida e provavelmente bêbada, e estaria com aquela roupa diminuta. Mas tudo bem! Praia é quase isso, não é?
Para amenizar minha situação, coloquei um short jeans e meu kimono de praia que era da mesma cor que o biquíni, mas translúcido. Deixei o cabelo solto, já que iria molhá-lo, e finalizei com rasteirinhas.
Me encarei no espelho quando pronta, e olhei para trás. Maya não estava ali para que eu pedisse opinião, então teria que me contentar com minha própria avaliação. Me achei ok, então decidi descer.
No caminho para a Deep Lake, já deu pra ver pessoas aqui e ali com roupas de banho. Algumas estavam a caminho ou voltando, algumas estavam bebendo em grupinhos e também havia casais se pegando. Eu comecei a me perguntar o que estava fazendo ali.
Olha, eu não odeio festas. Eu costumava ir a algumas antes da Drim, mas costumavam ser um pouco mais tranquilas do que aquela ali. Eu me sentia em um ambiente estranho.
Passei pelo portão que dava acesso à Deep Lake. Era uma área ampla com piso de mármore claro, com a piscina retangular e grande no meio. Além das pessoas, tinha bolas coloridas flutuando na água e uma fumaça branca se levantava constantemente da água, levada pela brisa em um só direção.
Ao redor da piscina, havia algumas espreguiçadeiras e mesas com guarda-sol, e estavam todas lotadas. O lugar, como um geral, estava um tanto cheio, mas dava para circular e respirar.
Olhei em todo canto procurando Guilherme, mas o primeiro rosto conhecido me surpreendeu. Meus olhos se arregalaram e eu abri um sorriso enorme.
— Mortífera!
Eu e minha amiga nos adiantamos para um abraço. Ela era uma amiga que eu quase nunca via pessoalmente, mas estava sempre jogando Woods Gods com ela. Ao menos, antes de entrar no time.
Ela era uma negra d’água, e estava usando sua aparência original: pele escamosa e cinzenta, olhos grandes e amarelos e barbatanas no lugar das tranças. Ainda assim, sua forma humanóide se mantinha, assim como seu biquíni vermelho.
— Que surpresa! — perguntei.
— Eu te contei que estudo aqui, amiga! — disse ela.
— Eu sei, mas, na correria, nem nos vimos ainda… e eu achei que você era uma nerd de jogos, não imaginei que gostasse de festas.
— Eu não curto qualquer festa, mas meu namorado organiza essa, é do tipo que eu adoro. Ele tá ali.
Antes que ela terminasse de explicar eu já tinha associado que o namorado dela era o tal amigo de Guilherme. Quando ela apontou para o lugar, avistei o outro negro d´água, usando uma bermuda verde com estampa de palmeiras e segurando um drink laranja. Além disso, ele conversava animadamente com Guilherme.
Era a primeira vez que eu via o capitão sem camisa, é óbvio. Ele também estava com uma bermuda branca, que me lembrou o avatar dele no jogo, e um colar havaiano com flores brancas. Ele estava longe de ser um exemplo de corpo atlético, mas não era de se jogar fora.
Depois de eu admirar um pouco o físico do bem-humorado Guilherme, o que deve ter durado um minuto na minha cabeça e três segundos na vida real, Mortífera chamou o boy, e os dois olharam na nossa direção.
Eu posso dizer que estava, inconscientemente, torcendo pra que isso acontecesse: quando Guilherme olhou na nossa direção, ele pareceu muito surpreso, e um tanto impressionado. Ficou com aquela cara de pastel que era bem típica dele. Felizmente, o namorado de Mortífera puxou o amigo pelo braço quando veio falar com a gente.
— Tutu, — disse Mortífera, quando eles ainda estavam terminando de chegar. — Essa é a Duda, minha amiga de longa data e aluna de Diplomacia.
Tutu fez uma exagerada reverência e, quando voltou ao normal, se pronunciou.
— Seja muito bem-vinda à Deep Lake, minha cara! — ele pegou um dos muitos colares havaianos coloridos que estavam no mesmo braço que segurava o drink, e que eu não tinha visto antes. Em seguida, o ofereceu com as duas mãos (mesmo que uma estivesse meio ocupada). Eu ri e aceitei o colar em meu pescoço. — Você é uma de nós agora.
Para minha surpresa, quando o colar se ajeitou no meu pescoço, ele começou a mudar de cor, ficando todo magenta, da cor do meu biquíni.
— Obrigada! — eu disse.
— Então vocês se conheciam! — comentou Guilherme, animado. — Que coincidência.
— O mundo é pequeno — disse Mortífera. — E, uma hora ou outra, todos acabam vindo pra Drim.
— Amor, você ainda não pegou o colar! — disse Tutu.
— Ah, nem vem, Apecatu, eu não vou usar essa coisa cafona.
— Ah, você vai sim — Apecatu repetiu o procedimento, enquanto eu e Guilherme ríamos. — Tem que ser parte da festa, Mô!
— Tá bom, 15 minutos e eu tiro isso!
— Atenção todo mundo! — ouvimos uma voz masculina e adulta reverberando.
Todos olharam para parto do portão, onde estava um professor usando um terno e uma cara amarrada. A música até parou. Eu não conhecia aquele professor.
— Vocês têm autorização para usar essa piscina? — perguntou ele.
— Na verdade, a gente tem — disse Apecatu, todo tranquilo.
— E para oferecer bebidas alcoólicas? — perguntou o professor, afiado.
— Também temos — disse Apecatu, antes de dar um gole em seu drink.
— Isso é impossível? Deixa eu ver quem está supervisionando vocês! — ele consultou sua pulseira e abriu um sorriso. — Ah, é! Sou EU! BORA PRA ÁGUA, CAMBADA!
Sinceramente, eu nunca vi um professor tão animado. Com o último grito, todo mundo começou a fazer barulho e aplaudir, e a DJ deu play na música.
De terno e tudo, o professor correu para a piscina e deu um pulão daqueles, espalhando água pra todo lado.
— Caramba! — não segurei o comentário.
— Relaxa, é só o professor Rosé — disse Apecatu. — Ele dá aula de biologia aqui, sempre se candidata pra supervisionar as festas… E dá pra ver o porquê.
— Ele adora água — continuou Mortífera. — Um dos poderes deles é se transformar em um…
Antes que ela pudesse falar, saltou da água por alguns instantes um golfinho rosa claro.
— Boto — concluiu Mortífera.
— Entendi. Queria que meu curso tivesse professores legais assim.
— Legal ele pode ser — disse Apecatu. — Mas eu não diria que é confiável.
— Tutu! — ouvimos alguém chamar de longe.
Ele olhou na direção da voz e levantou o braço, sorrindo.
— Tô indo aí! — depois, se voltou pra gente. — Desculpa, gente, anfitrião, né… Me chamam toda hora nesse lugar. Licença! — ele se afastou.
— Eu vou lá com ele — disse Mortífera, acompanhando. — Se não perco meu homem de vista!
— Claro, vai lá! — eu disse.
Depois que eles saíram, eu e Guilherme finalmente olhamos um para o outro. Ficou um certo climão nos primeiros segundos, onde ninguém sabia o que dizer, e eu só esperava receber algum elogio, mas duvidava que ele tivesse coragem.
— Você quer uma bebida? Eu posso ir buscar.
— Eu vou lá com você — eu disse.
Ele sorriu, um pouco bobo.
— Tá bem! É por aqui.
Ele começou a andar em direção ao bar e eu o segui. Era um tipo de cabana de madeira, com decoração de luau. Guilherme se apoiou no balcão, na área onde estava mais vazio.
— Eu quero uma piña colada — disse ele — com bastante gelo. E… — ele olhou pra mim.
— Vodka com cranberry.
Guilherme assentiu e franziu os lábios, como se a escolha o tivesse surpreendido positivamente. Ele olhou para o barman e assentiu, para finalizar.
— Já já tá pronto — disse o cara, começando a fazer.
— Vodka com cranberry — repetiu ele, mais baixo, em tom de aprovação.
— Você não me conhece, mesmo — eu brinquei.
— Foi o que eu disse! A gente tava precisando de um rolê assim.
— E veio em ótima hora — eu disse. — Eu nunca tinha ido numa pool party.
— Tá gostando?
— Eu acabei de chegar, mas já gostei do que vi — comentei, olhando ao redor, para a área da piscina.
— Eu também.
Quando voltei a olhar para Guilherme, notei que estava olhando para mim, com um princípio de sorriso e olhos encantados. Senti que aquilo seria o mais perto de um elogio que eu iria ganhar, e considerei suficiente. Vamos com calma, né, Duda?
— Você tá muito linda — confessou ele, em tom bem baixo, mas não inaudível.
Um sorriso começou a se formar em meus lábios, mas não precisei de grandes reações, já que, no segundo seguinte, os drinks foram colocados no balcão.
— Valeu, camarada! — disse Guilherme, pegando sua piña colada, na qual logo tratou de dar um gole.
Enquanto bebericava, seu olhar vigilante percorreu o entorno. Tive que soltar um risinho quando notei que ele estava fazendo um desvio pós-elogio. Como podia ser tão bom jogador, tão bom treinador, e tão pateta com as garotas?
Peguei meu drink e também tomei um gole. Queria tomá-lo aos poucos para evitar me ferrar, mas não teria onde deixar, e estava doida para entrar na piscina.
Depois de tomar um pouco mais, decidi jogar a ideia.
— Você vai entrar na piscina? — perguntei a Guilherme.
Como sempre, veio o sorriso meio bobo.
— Logo atrás de você.
Abri um sorriso lateral. Peguei uma guarda-tudo no bolso e, por mais doido que isso pareça, guardei meu drink. Depois disso, tentei fazer mais natural possível o ato de tirar o kimono, depois o short jeans e as sandálias. Aproveitei também para me desfazer daquele colar havaiano. Coloquei tudo na guarda-tudo e acoplei à minha pulseira.
Logo depois, fui andando para a piscina, na mesma direção onde estávamos. Imaginando que a água estaria gelada, decidi pular, sem muita bagunça. Tive uma feliz surpresa: a água estava morninha. Aquela fumaça era, na verdade, algum tipo de evaporação. Quando emergi, meus cabelos cacheados já estavam bem molhados, parecendo castanho escuro.
Decidi ficar ali na borda mesmo, onde havia um pouco mais de espaço, talvez na esperança de que Guilherme aparecesse logo.
Em vez disso, emergiu na água perto de mim o golfinho. Ele ficou me encarando com aquele rostinho simpático, que me prendeu a atenção de uma forma que pareceu ter durado horas.
De repente, ouvi um pigarro que despertou minha atenção.
— Professor, parece que tem duas alunas usando drogas lá embaixo.
Era Guilherme, agachado na borda da piscina, perto de nós.
— Maldição! — disse o boto. — Eu vou dar uma olhada.
O boto submergiu e desapareceu. Em sequência, Guilherme se sentou na borda e entrou com calma, ficando ao meu lado. A cara dele não estava muito boa. Não pude deixar de notar a ausência do colar, deixando a pele dele um pouco mais visível.
— O que aconteceu? — perguntei. — O que quer dizer “lá embaixo”?
— O nome é “Deep Lake” por uma razão. A piscina tem uma extensão naquela parede — ele apontou — que leva para uma parte beeem mais funda, e maior também. O Rosé é… bem duvidoso. Achei melhor mandá-lo para longe.
Acho que, pela minha cara, ele percebeu que eu não entendi o que ele queria dizer com “duvidoso”, então explicou um pouco melhor.
— Ele tem o poder de enfeitiçar. Poderia te hipnotizar e sabe-se lá o que iria acontecer.
Franzi o cenho.
— Mas acha que ele faria algo dentro do campus? Algo… na festa que ele deveria estar supervisionando?
— Pra ele são só brincadeiras — Guilherme deu um longo suspiro, como se quisesse se livrar da tensão daquela conversa. — Você quer nadar?
Tentei esconder o sorriso que queria despontar de novo. Apenas assenti em resposta.
— A gente vai pra parte funda?
Ele riu um pouco.
— Você consegue respirar embaixo d’água?
Eu fiz uma careta de deboche, e depois ri também.
— Olha, ainda não me ensinaram esse truque.
Guilherme deu uma risadinha que parecia esconder um segredo. Depois, mergulhou um pouco para molhar o cabelo e começamos a nadar, com muita calma, criando um tipo de trilha entre os grupinhos que se aglomeravam ali.
— Tá uma vibe meio “Titanic” — comentei. — Esse monte de gente na água, de noite, com essa fumaça.
— É mesmo — ele riu. — A diferença é que a fumaça aqui é por outro extremo de temperatura.
Nisso, notei que o morninho tinha sumido. Ali para o meio, estava quase nulo.
— Pena que aqui nem tá tão quente, mais — comentei.
— Eu posso resolver isso — disse Guilherme, parando no meio da piscina.
Virei o rosto, curiosa pelo que ele iria inventar.
A água embaixo de nós brilhou um pouco, mais precisamente onde ele estava. Pouco depois, a água em torno dele começou a borbulhar.
— Nossa — eu comentei, impressionada com o truque. — Isso é o que eu chamo de fazer tempestade em copo d´água.
Ele soltou uma gargalhada.
— Palhaça! Você é muito engraçadinha.
Ele interrompeu o brilho, e o borbulhar parou.
— Vê se tá melhor agora.
Eu franzi os lábios, quase com um sorriso. Eu tinha uma ideia infalível.
— Aqui tá a mesma coisa pra mim. — Não era 100% mentira. Uma ondinha de água morna tinha chegado para mim, mas era irrisória. Apesar disso, eu tinha a solução perfeita. — Vou ter que chegar mais perto.
Sem mais nenhum aviso, eu nadei um pouco mais e fiquei bem perto de Guilherme, quase colada. Ele ficou me encarando com uma expressão satisfeita.
— Melhor assim? — perguntou ele, talvez com um tom um pouco provocativo.
— É, aqui tá bem mais quente — respondi, no mesmo tom.
Continuamos nos encarando e eu soube que era questão de tempo. Apesar disso, conhecendo aquele garoto, decidi eu mesma começar a me aproximar. Ele se inclinou apenas um pouquinho, e, quando nossos lábios estavam quase se tocando.
— Duda…
Ele. Chamou. Minha. Atenção.
Eu abri os olhos, que, a essa altura, estavam quase fechados, e o encarei com uma expressão mortal.
— Calma — disse ele, um pouco sem graça. — Eu só queria deixar claro que eu gosto muito de você. Na verdade… Eu acho que eu tô apaixonado por você. Esses dias com você foram incríveis e… eu só não quero que você pense que eu te trouxe aqui porque quero uma coisa pontual. Quer dizer… Se você quiser que seja pontual, tudo bem também, afinal, você é a garota mais incrível que eu já conheci, mas…
Eu tive que me segurar muito para não rir nem sorrir durante aquele monólogo. Aquilo era tão Guilherme. Todo preocupado, metódico; controlando a situação como uma partida de WG, mas sem nenhum domínio, como se ele não conhecesse os personagens.
Eu precisava fazer ele parar de falar, e só tinha um jeito. Durante as últimas palavras que ele conseguiu pronunciar, cruzei o espaço que faltava, sem muita pressa. No último milésimo de segundo ele se rendeu, e começamos a nos beijar.
Nosso beijo se intensificou rápido. Acredito que aquelas condições tenham ajudado a aflorar nossos nervos. Água quente, pouca luz, a pele exposta e molhada deslizando quando subi minhas mãos para os ombros dele. Ele me abraçou com os dois braços, me puxando para mais perto dele; passei meus braços pelo pescoço dele e nos beijamos mais e mais.
Talvez fosse demais para aquele primeiro momento, mas minhas pernas flutuavam de forma vaga, então o abracei com elas. Ele pausou o beijo por um segundo, provavelmente surpreso com isso, e voltou a me beijar no instante seguinte. Alguns segundos depois, senti a mão direita dele na minha coxa, me ajudando a sustentar e também com um pouco de carícias.
Eu nem sei quanto tempo ficamos ali, mas foi um bom tempo antes que a gente precisasse fazer uma pausa pra respirar. Paramos com os rostos colados de frente, respirando fundo, e começamos a dar uma leve risada de contentamento.
— Acho que eu consigo ficar um bom tempo debaixo d’água depois dessa — brincou ele.
Eu o encarei e segurei o rosto dele.
— Você se preocupa demais, sabia?
Ele sorriu.
— É, eu sei. Mas eu não tô mais preocupado. Desculpa se eu fui muito chato.
Eu ri um pouco, e depois fique um pouco mais séria, acariciando o rosto dele.
— Para com isso. Você é perfeito. Só tenho pena de todo esse nervoso que você passou à toa.
Ele negou com a cabeça.
— Não importa mais. Já passou.
Eu assenti, e ele me beijou por mais alguns segundos. Depois, nos afastamos novamente.
— Você quer ir lá embaixo agora? — perguntou ele.
Franzi o cenho.
— Mas você disse que tem que respirar embaixo d´água.
— Disse. E você disse que não aprendeu esse truque. Mas eu vou te ensinar.
Ele me soltou, segurou minha mão e foi me guiando para a borda mais próxima do bar. Apecatu estava por ali. Guilherme ergueu a mão, para chamá-lo.
— Fala meu parceiro — disse Apecatu, abaixando na borda.
— Me consegue duas doses de Deep Breath?
O rapaz sorriu.
— Em um minuto.
Ele se levantou e foi ao bar. O que foi tempo suficiente para uma conversa de olhares entre eu e Guilherme, já que eu não estava entendendo nada.
Pouco depois, Apecatu voltou com dois copinhos de vidro contendo um líquido azul com degradê: mais claro em cima e mais escuro embaixo. Ele abaixou novamente perto de nós, e nos entregou os copos enquanto falava.
— Uma dose; 30 segundos para fazer efeito; 15 minutos de duração. Me dá seu braço.
Guilherme estendeu o braço com a pulseira. Apecatu configurou um alarme.
— Vai tocar daqui a dez minutos. Voltem com dez minutos, para não dar problema, hein!
— Pode deixar — garantiu Guilherme.
— Aproveitem, pombinhos — disse Apecatu, enquanto se levantava. — Ou, eu deveria dizer… peixinhos.
Eu e Guilherme rimos enquanto ele se afastava. Nos viramos um para o outro e tomamos ao mesmo tempo. Esperamos os 30 segundos e mergulhamos. Eu arrisquei respirar para testar e, realmente, estava funcionando. Além disso, a visão estava bem limpa. Guilherme deu o ok e segurou minha mão.
Ele nadou submerso, me guiando para a parede dos fundos, onde ele indicou ser a entrada. De fato, havia um grande buraco na estrutura da piscina, do qual a maioria se mantinha afastado. A borda estava decorada com flores coloridas, o que deveria ser obra de Apecatu.
Passamos pela abertura e estávamos em um túnel que seguia em diagonal para baixo. Seguiu por alguns bons segundos até desembocar em um super amplo espaço, que deveria ser do tamanho do ginásio. Era predominantemente azul e, lá embaixo, tinha formações rochosas, algas e corais. Como na festa, havia alunos espalhados por aí, parados, nadando ou se pegando.
Eu e Guilherme nos contentamos em nadar, explorando espaço e usando nossos poderes, rindo e nos divertindo muito. Colocando fogo nos pés, ele conseguia nadar mais rápido, criando um tipo de turbina. Eu conseguia me impulsionar criando pequenos campos de força e controlando-os para me levarem.
Tudo ali embaixo era muito lindo; na companhia dele, foi ainda mais incrível.
Foi uma noite formidável.
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