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EP. 20 BAILE MISTÉRIO

FELIPE

18h45

quarta


Entrei no elevador do prédio, encarando meu reflexo no espelho. Era impossível não sorrir. Eu ainda não estava acostumado a ser eu integralmente, e a não ter a companhia de Vermelho. Ele tinha se tornado um grande amigo, quase um irmão, mas era bom ter um corpo só meu. Além de tudo, eu estava usando um elegante terno roxo e branco, na paleta do Baile Mistério, pronto para buscar minha garota.

Atrás de mim, a porta do elevador já estava se fechando, quando alguém colocou a mão na abertura, impedindo. Imediatamente, a porta se abriu e eu o vi, no reflexo. Ele abriu um sorriso quando nossos olhos se cruzaram. Com um terno igualmente elegante, Taesung estava com seu cabelo ruivo-alaranjado de sempre, mas os olhos vermelhos o denunciavam.

Me virei para encará-lo enquanto entrava, tentando esconder a surpresa.

— Oi! — eu disse; a voz um pouco fina evidenciou o que eu queria encobrir. Ele checou que o botão do andar já estava acionado — Legal te encontrar perto dos espelhos, mas… posso perguntar…

— O que eu faço aqui? — perguntou ele, enquanto o elevador subia. — Bom… digamos que eu resolvi seguir seu conselho.

Franzi o cenho levemente, mas não demorei para entender, deixando um sorriso travesso aparecer. Ele estava se referindo ao que eu disse a ele no banheiro masculino, depois de assistirmos ao término de Duda e Guilherme de camarote no corredor.


— Ah, Vermelho… De repente você se dá bem nessa.

— Como assim?

— Você sempre reclama de não ter uma namorada, como eu tenho… Você e a Duda se aproximaram bastante nos últimos tempos, e agora ela tá solteira.


Chegamos ao andar, e a porta se abriu. Caminhamos juntos pelo corredor até a porta do dormitório delas, e eu bati. Pouco depois, fomos contemplados com a visão do paraíso. Maya abriu a porta, e Duda estava ao lado dela. Obviamente, vou me ater a descrever a perfeição que estava a minha namorada, com um vestido roxo que parecia a perfeita combinação entre os bucólicos trajes tradicionais miraianos e as tendências de moda de Soul. Mangas bufantes transparentes, corpete justo, saia alta e franzida, indo até metade das coxas. A metade de cima do cabelo estava presa em um rabo alto, com cachos definidos e brilhantes. Sério, que garota mais linda.

Meu sorriso deve ter sido tão idiota quanto o de Vermelho ao ver Duda.



VERMELHO

18h49

quarta


Uau. Eu senti que tinha ganhado na loteria.

No início da manhã, eu sequer tinha um corpo para chamar de meu. De repente, tinha um corpo (lindo, modéstia à parte), memórias e poderes recuperados, e ainda tinha descolado a namorada mais garota que eu poderia ter.

Duda era linda, forte, corajosa, fora dos padrões. O principal de tudo era que ela era sensível, a única pessoa que me enxergou quando eu era visto como um marrentinho insuportável, ladrão de corpos. Seu senso de justiça me fez alcançar minhas primeiras conquistas de liberdade. Então, nada mais justo que aproveitar essa tal liberdade com ela.

O cabelo dela estava arrumado em um penteado de madrinha que, por mais que estivesse preso, evidenciava seus cachos. Eu nunca a tinha visto daquele jeito. O vestido roxo era ombro a ombro, justo no tronco, com uma saia longa com enormes fendas, as quais revelavam uma calça justa e brilhante. Duda não era muito de vestidos, então achei que aquele modelo combinou perfeitamente com ela.

Pareceu que eu e Felipe ficamos horas admirando as duas no vão da porta, o que foi interrompido apenas quando Maya disse.

— Vamos, meninos?

— Claro — nós dois dissemos, abrindo espaço para elas.

Maya passou primeiro, o que chamou minha atenção para analisar a relação que tínhamos construído até então. 

Eu a conheci na Recepção de Calouros, antes mesmo de encontrar meu roomate Jihyung. Trocamos poucas palavras, mas gentis; muito diferentes do fogo cruzado que travamos depois que o Lorde tomou meu lugar. Tínhamos todos os motivos para criar aquele ódio mútuo, mas aprendemos a conviver conforme eu me amaciava. Conforme os traços do Lorde sumiam, deixando apenas os meus.

Duda segurou meu braço, me trazendo para a realidade. Eu a encarei.

— Você está muito linda — sussurrei.

Ela sorriu, parecendo um pouco derretida com o elogio.

— Obrigada. Você também está incrível.






DUDA

19h05

quarta


Eu tinha caprichado na maquiagem e nos acessórios muito intencionalmente.

Claro, era a festa da Sunny. Eu não queria roubar o brilho da minha amiga, jamais; mas eu não podia ficar pra baixo depois de tudo o que aconteceu. Depois de Guilherme ter terminado comigo de forma tão descabida, depois de eu ter sido acusada de mentir na inscrição e quase ter sido expulsa, eu precisava mostrar que eu era forte e independente. Era assim que eu me sentia, e ainda teria como ajuda a companhia de um dos caras mais gatos do campus. Como se não bastasse ser gato, ele era um completo fofo, alguém de quem eu queria cuidar, e também sentia esse zelo dele em relação a mim.

Nós quatro caminhamos juntos para a festa. Era em uma das quadras. Estava toda iluminada, decorada com pedaços de malha esticados nas grades, nas cores da festa: tons de roxo, branco e prata. Lá dentro, a decoração estava lindíssima, com mesas de convidados com toalhas longas, louças caras, grandes arranjos de flores e cadeiras metalizadas. Alguns funcionários uniformizados já circulavam pelo local, e muitos alunos curiosos se amontoavam ao redor da grade. Ao que parecia, os pais da Sunny realmente queriam transformar o noivado dela em um grande espetáculo para todo o campus.

Fomos para a única entrada que estava aberta, emoldurada por um túnel de luz, e entramos. Foi uma sensação incrível, e ficamos admirados com aquele pequeno espetáculo. Ao fim, fomos recepcionados por uma funcionária, que pegou nos nomes, checou as pulseiras e nos indicou a mesa principal.

Não era difícil encontrar.

Ao contrário das outras, que eram redondas, a mesa principal era retangular e bastante longa. No meio, era um pouco mais larga, e os locais marcados indicavam que eram para os noivos e seus pais. As demais cadeiras eram para os padrinhos. Encontrei o meu nome, que estava ao lado de Guilherme Vilela. Os dois nomes estavam no mesmo card, mas o dele estava sutilmente riscado e, sobre ele, estava escrito “Taesung”.

Não imaginei que ficaria tão aliviada por ter feito uma troca.

A mesa principal era a mais próxima da decoração, embora houvesse um espaço bem grande entre elas. Esse espaço parecia ser a pista de dança, ou o palco, com a mesa do DJ montada ao lado direito. Felizmente, a quadra era bem grande para abrigar tudo. Ao fundo, a decoração era enorme, ocupando quase o fundo todo da quadra, com cortinas cheias de luzes, mesas espelhadas e peças de cristal e prata, incluindo bandejas com doces finíssimos.

Fomos nos posicionando. Vermelho, como um gentleman, puxou a cadeira para que eu me sentasse. Estávamos de costas para a decoração, de frente para a entrada; Maya e Felipe de frente para nós.

Tínhamos chegado cedo. Além de nós, só havia alguns convidados mais velhos, que deveriam ser das famílias. Não demorou muito para que os garçons trouxessem os primeiros canapés e bebidas.

Os convidados começaram a chegar, preenchendo as mesas aos poucos. Dentre os meus conhecidos, os primeiros a chegar foram Minji e Seokjung, que eu sabia serem grandes amigos dos noivos, um casal de padrinhos e também responsáveis por muitos detalhes daquela festa. O vestido de Minji era roxo, sem grandes volumes ou nada de especial. Algo me dizia que ela queria ser invisível para dar conta de todas as suas tarefas daquela noite. Seokjung também estava usando um terno simples.

Antes de vir para a mesa, eles falaram com vários funcionários, incluindo o DJ. Por fim, vieram para a mesa e nos cumprimentaram antes de sentarem em seus lugares. Em teoria, era a mesma mesa, mas eles estavam do outro lado. O centro ficava para os noivos e os pais, e os padrinhos divididos de cada lado. Para minha sorte, Guilherme tinha sido enxotado para o outro lado.

Nós comemos e conversamos um pouco, o que me fez sentir que aquele nosso quarteto seria inseparável. Duas roomates e dois ex-bodymates, formando dois casais. Uma fórmula perfeita. Apesar disso, senti Vermelho um pouco deslocado.

— Você trocou de lugar com o Guilherme, então — disse Maya, quando nosso assunto chegou a esse ponto. — Antes, você era dupla com quem?

— Ana Laura — disse ele, um pouco irônico.

— Ela é uma grande amiga — comentou Maya, talvez tentando convencer Vermelho de que ela era legal. — Capitã do time de vôlei.

— É, eu sei. Ela ficou com o Jae na festa do campeonato. Me colocar com ela é uma escolha bem irônica, considerando o que este corpo tem feito com a Sunny…

— Realmente… Talvez tenha sido de propósito, mas vocês dois estavam meio sobrando — eu disse. — Além disso, são pessoas importantes para os noivos, não podem ser descartados.

— Aham, claro — disse ele. — Não sei se eu sou tão importante assim pra Sunny; o outro cara, sim. Essa lista foi feita há muito tempo.

— Você é importante pro Jae — garanti. — Vocês são bem próximos, não são?

— Bom, desde que eu entrei no corpo de Felipe, sim. Nós nem nos conhecíamos antes, é claro, porque eu sou calouro… Mas Felipe e Jae já jogavam juntos no último semestre. O Lorde nunca foi um problema pra Jae, mas a minha nova personalidade deve ter ajudado a gente a se conectar. Me considero bem próximo dele, sim, mas ainda acredito que o clima vai estar estranho hoje.

— Ah, eu duvido — disse Felipe, bem-humorado. — Encontrei com o Jae um pouco mais cedo, ele parecia bem animado. Esse esclarecimento veio em ótima hora. Sua figura não é mais um concorrente pra ele, e eu tenho certeza de que ele sabe disso.

Vermelho sorriu em agradecimento para Felipe.

Era muito bom ver aqueles dois garotos participando do mesmo momento, sem ter que competir pelo corpo, sem causar qualquer problema. Apenas sendo eles mesmos, curtindo a vida.

Eu senti aquele momento perfeito se quebrar quando meu olhar desviou para o túnel de luz. Guilherme tinha chegado, muito bem acompanhado de sua noiva. Ele estava usando um terno roxo, perfeitamente na paleta da festa, enquanto ela usava um conjunto de calça e cropped branco. Nina era uma garota branca e ruiva, parecia uma modelo. Parecia perfeita, ao contrário de mim.

— Olha, ele trouxe ela — eu disse, um pouco irônica.

Os três obviamente olharam para onde eu estava olhando, e viram o casal cumprimentando alguns convidados. Guilherme devia realmente ser amigo da família. Pouco depois, ele deixou Nina em uma das mesas dos convidados comuns, acompanhada de alguns velhotes.

Por fim, ele veio em direção à nossa mesa, claramente procurando seu lugar, mas parecia confuso. Percebi que Minji provavelmente não o tinha avisado da troca.

— Oi, galera — disse ele, ainda com o cenho franzido, e apontou para onde Vermelho estava. — Desculpem minha intromissão, mas… esse lugar não é o meu?

— Era — disse Vermelho, quase saboreando a palavra, com um sorriso. Ele segurou o card e o ergueu, evidenciando para Guilherme que a troca havia sido feita. — Os planos foram mudados de última hora. Você está com a Ana Clara, agora. Ninguém te avisou?

Sem responder, parecendo esconder seu choque, Guilherme continuou encarando Vermelho. Depois, seu olhar deslizou até mim.

— Podemos conversar? — perguntou ele, em tom baixo.

Ergui um pouco as sobrancelhas. Não esperava que ele fosse tentar uma aproximação. Apesar da tentativa, era tarde demais para Guilherme Vilela.

— Não temos nada para conversar — eu disse, firmemente, embora ainda soasse gentil. Me forcei a abrir um sorriso amarelo.

Ele moveu um pouco a cabeça, como se engolisse as palavras duras, olhando para baixo.

— Percebi que não sou bem-vindo nesse lado da mesa. Vou para meu canto. Com licença.

Depois de ser extremamente cordial e delicado, Guilherme se afastou, indo para onde Minji, Seokjung e Ana Laura estavam.

Vermelho me encarou, franzindo os lábios.

— Por que não fala com ele? — perguntou ele, em tom baixo. — Talvez vocês ainda tenham alguns pingos a colocar nos is.



GUILHERME

19h27

quarta


Fazia tempo que eu sabia do noivado de Sunny e Jae. Ele tinha me escolhido para dividir o fardo: ser a única pessoa além do Seokjung com quem ele podia falar sobre aquilo. Ainda assim, eu jamais poderia imaginar que a festa de noivado seria uma situação tão terrível para mim.

Para começar, eu tinha, recentemente, terminado meu relacionamento por pura idiotice (apesar da influência do Lorde Vermelho ser um agravante e tanto). As últimas revelações haviam mexido bastante com nosso grupo de amigos, de vários jeitos.

Eu esperava poder me aproximar da Duda durante a festa; mesmo tendo a infeliz obrigação de levar Nina e atuar como se fôssemos um casal de verdade, eu sabia que eu e Duda éramos padrinhos juntos. Aquela tarefa parecia ser o motivo perfeito para ficarmos juntos e podermos conversar. Eu estava contando com aquilo, mas a presença de Taesung/Vermelho tinha me dado uma derrubada legal. Mesmo com o impedimento, tentei seguir meu script, mas fui duramente rejeitado. Quando eu achava que não podia ficar pior, veio essa.

Balancei um pouco a cabeça. Me obriguei a respirar fundo e tentar aproveitar aquele momento. Haviam servido alguns aperitivos, os quais eu tentei aproveitar. Ao meu lado, Ana Laura parecia deslocada. Mesmo sendo tão espontânea, estava me surpreendendo com aquela quietude. Minji e Seokjung não estavam tão diferentes. Eu não os conhecia a fundo, mesmo eles sendo grandes amigos do casal como eu. Eu não sabia como fazer aquelas pessoas interagirem e, de certa forma, sentia que o silêncio se relacionava com os últimos acontecimentos que me cercavam; poderia ser pena, mas eu também acreditava na repulsa. 

Finalmente, Ana Laura se pronunciou.

— Como estão as coisas, Guilherme?

Tomei um leve suspiro enquanto pensava no que poderia responder. Eu poderia dizer, simplesmente, que estava tudo bem, mas eu percebi, pelo tom dela, que não era uma pergunta por educação. Ela estava realmente preocupada.

— Bom, acho que… confusas. Ainda estou tentando me acostumar com tudo. A revelação da manhã foi estonteante, e esse dia não para de me surpreender.

— Você se refere à troca dos padrinhos? — perguntou Minji, delicadamente. — Achei que eles iriam te avisar.

— Não, eles não se deram ao trabalho. Mas está tudo bem. Não é exatamente a troca que me incomoda. Mudar de lugar não foi nada demais, mas… essa atitude… — respirei fundo novamente. Não deveria estar expondo minha opinião sobre aquilo. Me forcei a sorrir. — Bom, não importa. Vai ficar tudo bem.

— Você pode falar com a gente sobre isso — disse Seokjung. — Somos seus amigos, também. Eu sei que não somos tão próximos assim, mas a gente sabe que o momento pode estar sendo difícil.

Eu o encarei, um pouco confuso.

— Vocês não acham que eu… tenho agido de forma equivocada? Sinto que todo mundo me odeia.

— Isso são outros 500, Gui — disse Ana Laura, enérgica. — Você não tomou todas as decisões sozinho. Desde que se descobriu que tinha um cara manipulando mentes no campus, tudo que passou é questionável.

— Você sente que, — disse Seokjung — por ter cometido alguns erros, nós vamos julgar você por completo e nos afastar? Bom, crianças de Ensino Médio poderiam fazer isso; talvez alguns calouros, mas a gente sabe que a essência de uma pessoa vai além de uma decisão impensada em um momento delicado.

Consegui sorrir de verdade, ainda que levemente. Aquilo havia sido muito legal da parte dele.

— Obrigado, pessoal.

— Você já conversou com a Duda sobre o ocorrido? — perguntou Minji.

— Eu tentei. Estava nos meus planos, mas ela não deixou.

— Deve estar bem chateada — opinou Seokjung. — Talvez ela só precise de um pouco mais de tempo.

— Só não vai adiantar muito — disse Ana Laura. — Acho importante vocês esclarecerem as coisas, mas os dois já estão em outra, né?

— Como assim? — perguntou Minji, me livrando do fardo de questionar. — Quer dizer, o Guilherme, nós sabemos que está noivo… por livre e espontânea pressão, é claro… mas a Duda?

— Você não ficaram sabendo? — perguntou Ana Laura, um pouco surpresa, mas bastante comedida. — Bom, é só um boato de corredor, é claro. Acho que não se espalhou o suficiente, e não tem como ter certeza… mas essa troca que eles solicitaram combina muito com a fofoca.

Não consegui evitar. Suavemente, desviei meu olhar para o outro lado da mesa. O quarteto continuava interagindo e rindo. Não havia nada que comprovasse, mas pareciam dois casais.

— Tá me dizendo que Duda e Taesung estão juntos? — perguntou Minji, contendo a surpresa.

Senti o olhar de Ana Laura sobre mim e voltei minha atenção para a mesa.

— Não levem tão a sério — disse ela. — Como eu disse, é só um boato de corredor.

Minha pulseira piscou. Para minha total surpresa, era uma mensagem dela.


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Duda

Podemos conversar depois da festa. Aqui não é momento nem lugar para isso. Não vamos estragar a noite dos nossos amigos, não é

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Ergui um pouco as sobrancelhas. Ela nem se deu ao trabalho de pedir desculpas pela grosseria anterior, mas, ao menos, tinha aparecido.

Decidi dar fim àquilo logo. Depois do que aconteceu e, principalmente, depois daquela possível informação, eu não me sentia mais à vontade para estar no mesmo espaço que Eduarda Machado.


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Guilherme

Eu só queria pedir desculpas pela forma como as coisas aconteceram. De forma nenhuma acho que isso me exime da culpa, mas, analisando a situação, acredito ter sido influenciado pelo Lorde Vermelho. Sei que agora é tarde para mudar tudo o que aconteceu, mas não quero que você pense que o meu normal é ser aquele idiota que eu fui. Sendo bem sincero, eu me arrependi bem rápido das minhas atitudes. Peço desculpas por ter sido um babaca e por ter te magoado. Desejo apenas as melhores coisas para você.

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Enviei a mensagem e dei mais um suspiro.

— Eita, como tá suspirante — comentou Ana Laura, me empurrando levemente como um ombro.

— Está sendo um dia difícil — eu disse, antes de me obrigar a sorrir. — Mas eu vou ficar bem.

— Senhoras e senhores, os pais da noiva — anunciou o DJ.




DUDA

20h

quarta


Todos olharam para o túnel. Realmente, Hyungsik e Hyeri, o reitor e a diretora, estavam entrando na quadra de braços dados, como mandava o protocolo; claro que eles não estavam muito felizes com isso, mas se esforçaram para sorrir.

Pela primeira vez, ao menos que eu estivesse vendo, Hyungsik estava usando uma aparência mais próxima da idade que eu realmente tinha. Claro que não seria de bom tom parecer um adolescente no noivado de sua filha. Os dois estavam muito elegantes, bem vestidos, maquiados e penteados. Rumaram direto para a mesa principal e assumiram seus lugares, na parte do meio.

— Senhoras e senhores, os pais do noivo.

Eu não conhecia os pais de Jae. Ao menos, achava que não. Me pareceu bastante óbvio quando eu vi o treinador Alfa entrando ao lado de sua esposa. Sua aparência também tinha um ineditismo: usar roupas chiques em vez do traje de treinamento.

Eles percorreram o mesmo caminho e tomaram lugar ao lado dos pais da Sunny.

— Senhoras e senhores, o noivo, Youngjae Min.

Todos os presentes aplaudiram quando Jae passou pelo túnel. Seu terno era lilás, quase branco, todo bordado de flores em alto relevo. De uma mesa cheia de marmanjos que deveriam ser do time de basquete, vieram gritinhos. Do lado de fora, alguns alunos que assistiam da grade também gritaram para o astro dos Dragões. Ele parecia tímido, mas feliz. Entrou sozinho e veio para a nossa mesa. Cumprimentou cada um dela individualmente e tomou seu lugar, de costas para a decoração.

— Senhoras e senhores, a noiva, Sunghee Hae.

Todos olharam para o túnel.

Céus, ela estava deslumbrante.



SUNNY

19h22

sexta


Eu fui escoltada do meu quarto até a quadra onde aconteceria o baile. Me acompanharam minha mãe e Romeo, o cabeleireiro; Minji também estava conosco, mas teve que se adiantar. Para minha surpresa, quando saímos do prédio, alguns seguranças também se colocaram ao nosso redor.

— Isso é mesmo necessário? — perguntei.

— É só uma garantia — explicou minha mãe.

Nos posicionamos a alguns metros da quadra, longe o suficiente para não sermos notados por ninguém, perto o suficiente para chegar à entrada em menos de um minuto.

De longe, consegui ver algumas pessoas que ainda estavam chegando. Eu vi meu pai, tendo suas lapelas arrumadas por mais um funcionário.

— Ah, seu pai está ali — disse minha mãe. — Eu preciso me juntar a ele.

Ela disse as últimas palavras com tédio, o que quase me fez sorrir, então se afastou.

Eu não estava triste; mas também não estava feliz ou ansiosa. Na verdade, eu não sabia bem o que sentir. Era muita coisa pra processar.

Então, por cima dos ombros dos seguranças, eu o vi. Jae estava mais próximo da entrada, também cercado de gente e cuidando dos últimos detalhes. Parecia nervoso.

Ele não deveria estar muito diferente de mim. Por um breve momento, eu me senti muito conectada a ele. Lembrei do momento que dividimos mais cedo nas condições precárias do banheiro. Não era um sonho de date, mas eu me lembrei do calor que ele emanava, do pelo macio, dos olhos lupinos cheios de consideração enquanto me encarava.

Meus pais entraram.

Os pais de Jae entraram.

Jae entrou.

Meu grupo cruzou o caminho até o túnel de luz que marcava a entrada.

Ouvi o meu anúncio e entrei.

Depois de respirar bem fundo.



JAE

19h38

sexta


Uau.

As expectativas já eram altas, mas uau.

É claro que eu poderia estar falando de toda a decoração e todos os detalhes da festa. Eu tinha sido perguntado sobre algumas coisas, mas a maior parte dos detalhes foi decidida pelos nossos pais, com alguma ajuda de Minji e Seokjung. Tudo estava tão deslumbrante que parecia o próprio casamento, a não ser o fato de ser uma quadra na Drim University.

Apesar de tudo isso, meu “uau” era só pra ela.

O cabelo de Sunny estava preso para trás em um coque baixo formado por tranças e adornado por uma presilha prateada. O vestido era no mesmo tom de lilás quase branco que o meu terno, bordado com as mesmas flores. Tinha um corset justo e uma saia bem cheia, por mais que ela fosse só até o joelho. Ela também tinha uma maquiagem linda, joias caprichadas e um par de sapatilhas.

Claro que eu só percebi a maioria dos detalhes depois, estou só adiantando pra vocês, porque, no momento em que ela entrou, eu só consegui sentir que ela estava brilhando mais do que nunca.

Eu sentia que iria explodir, mas tentei me segurar. Aquilo era só o noivado, nem era o casamento, e eu já estava surtindo.

Sunny foi aplaudida pelos nossos amigos e familiares. Aliás, vale dizer que era estranho ver tantas pessoas da minha família naquele campus, não esperaria isso nem na formatura. Os atletas do cheer foram um pouco mais esbaforidos, o que me fez relaxar um pouco, mas eu não conseguia me acostumar com a ideia de que aquela menina linda estava vindo para ficar do meu lado.

Sunny, minha melhor amiga desde sempre, a minha maior confidente, guardiã dos meus segredos como eu era dos dela, a garota que me apoiou nos meus melhores e piores momentos, que viveu tanta coisa comigo. Eu a amava demais. Não haveria presente maior no mundo do que me casar com ela, mesmo que eu nunca tivesse pedido por isso; ao menos, eu esperava que ela pudesse ser feliz ao meu lado, a despeito de qualquer entrave que tivesse rolado naquele semestre estranho.

Sunny deu a volta na mesa e se sentou ao meu lado.

— Oi — disse ela, sorrindo, um pouco nervosa. Me senti aliviado por saber que ela não estava tão diferente de mim.

— Oi — respondi. — Você está linda. Radiante. Como sempre.

— Obrigada — disse ela, um pouco sem graça. — Você também está incrível.

Eu sorri um pouco mais. Nem me lembrava de qual havia sido a última vez que Sunny me elogiou.



SUNNY

21h12

sexta


A noite foi longa. Meu pai fez um pronunciamento formal, um tipo de discurso que foi bem difícil de engolir. Ele falou sobre como eu e Jae éramos um casal havia muito tempo e ele sempre teve certeza de que fomos feitos um para o outro. No semestre passado, eu talvez estaria achando tudo aquilo maravilhoso, mas era fato que as coisas tinham mudado entre eu e Jae.

O jantar foi oficialmente servido, e nós comemos. Também tivemos que ir de mesa em mesa para cumprimentar os convidados e tirar fotos. Foi bem cansativo, mas foi legal ver a maioria daquelas pessoas.

— Agora, o momento mais aguardado — disse meu pai. — Vamos começar a usar nosso palco.

Ah, era só o que me faltava. Transformar a festa em um literal show.

Jae se levantou, o que me deixou um pouco apavorada.

— Quero dedicar essa música para minha noiva — disse ele, e estendeu a mão para mim.

A plateia logo se animou, enquanto eu sentia meu corpo todo se arrepiar, com receio daquele circo. Mesmo hesitante, segurei a mão dele e me levantei.

O DJ soltou a música, e Jae me guiou para o centro da pista de dança. No meio do caminho ele começou a cantar “Perfect” do Ed Sheeran. 

Ele cantou toda aquela letra olhando direto para mim, com os olhos brilhantes, enquanto dançávamos suavemente, seguindo o ritmo da música, já que não tínhamos coreografia. Eu me senti flutuando enquanto assimilava aquela letra, que se encaixava tanto na nossa história, no que sentíamos, ao menos antes daquela confusão toda.

Nós nos separamos por conta de uma maldição. Aquele cara manipulou nossos sentimentos, mas, antes disso, eu nunca tive sequer um pingo de dúvida sobre Jae. Conforme ele cantava, era como se afastasse as nuvens escuras que Vermelho colocou sobre nós, mascarando o que realmente tínhamos: uma conexão verdadeira.

Quando a música acabou, fomos aplaudidos.

— Agora vamos ter uma coreografia — sussurrou Jae, e eu imediatamente arregalei os olhos. — Não se preocupe, você sabe. Nós treinamos bastante. Ah, seria um bom momento para você usar seus poderes.

Esbocei um sorriso. Ele era o único além da minha família que conhecia meu poder.

O DJ soltou “Can I Have This Dance” do High School Musical 3. Aqueles eram nossos filmes favoritos, sabíamos todas as músicas e coreografias. Às vezes, brincávamos de que iríamos dançar aquela no nosso casamento, então eu imediatamente me emocionei.

Precisei me recuperar rápido para fazer a dança de Gabriella em perfeita sincronia com meu Troy. Era emocionante estar nos braços dele de novo, senti-lo meu de novo. Meu pai estava certo. Nós fomos feitos um para o outro, crescemos juntos, nos apaixonamos pelo que realmente éramos. Isso estava além de qualquer acordo parental, além da compreensão humana. Ele era meu e eu era dele. Era assim que tinha que ser.

Ao longo de toda a coreografia, eu usei meu poder, fotocinese, para controlar as luzes do local. Crei holofotes para nos destacarem, e uma contra-luz roxa que nos contornava com aquele brilho, além de outros detalhes. Eu fazia aquilo em todas as apresentações do cheer, e também tinha cuidado na Festa de Junho. Só era lindo porque ninguém sabia que eu tornava cada apresentação perfeita.

Quando a música terminou, nós estávamos envolvidos como os protagonistas do filme; e, seguindo esse roteiro, eu beijei Jae pela primeira vez em muito tempo. Fomos aplaudidos, em meio a vários gritinhos. Eu estava muito feliz.

Passamos quase um minuto apenas nos encarando e rindo, depois agradecendo aos convidados pelo carinho conosco.

— Agora, — anunciou meu pai. — Vamos chamar para se juntar a eles os seus padrinhos e madrinhas. Minji Park e Seokjung Kim.

Os dois se levantaram e vieram até nós.

— Maya Fujita e Felipe Rider.

Nossos amigos se levantaram e vieram de mãos dadas, como o casal perfeito que eram.

— Eduarda Machado e Taesung Kim.

Ainda era estranho ver Taesung com os olhos vermelhos; ainda era difícil associar que ele era o garoto que conhecíamos como “Vermelho”. Ainda assim, o mais surpreendente foi ver a incrível conexão que havia entre ele e Duda. Aquilo me lembrou, mais uma vez, da Festa de Junho.

— Ana Laura Aguiar e Guilherme Vilela.

Nossos os últimos padrinhos, os que tinham sobrado, vieram até nós. Obviamente, eles não estavam muito à vontade, mas deram seu melhor.

O DJ soltou uma versão em valsa de “Kiss The Girl”, de A Pequena Sereia, que mais tarde viraria a versão rock.



DUDA

21h35

sexta


Eu não sei quem foi o responsável pela escolha da música, mas que cirúrgico.

Para um casal arranjado que já era um casal de verdade antes, e que tinha beijado muito, a escolha não fazia nenhum sentido; mas talvez, o velho Hyungsik tivesse imaginado que os noivos precisariam de uma forcinha a mais na reconciliação. Deve ter ficado bem feliz que só duas músicas foram suficientes para Sunny esquecer os problemas causados pelo Lorde Vermelho e beijar seu noivo.

Eu ainda estava tentando me decidir se beijava Vermelho em público ou não. A mensagem de Guilherme tinha me deixado um pouco pensativa; não a ponto de cogitar voltar com ele ou algo do tipo, mas ele deveria estar muito abalado com tudo. A minha parte gentil e solidária me fez pensar que não seria legal com ele mostrar que ele havia sido trocado tão rápido, mas… bem, vocês sabem. Ele não tinha sido exatamente um anjo.

— Tudo bem? — perguntou Vermelho, me chamando de volta para a realidade. Eu encarei aquele sorrisinho esboçado, misturando preocupação com paixonite.

Tal qual uma adolescente, eu sorri de forma espontânea por ganhar a atenção dele. Novamente, encarei aqueles olhos vermelhos com um reflexo brilhante, e enxerguei quem eu sabia que ele era.

Eu não iria ficar me prendendo, deixando de viver algo que eu queria, só para não magoar Guilherme.

— Tudo bem — eu disse a ele.

Ele sorriu mais.

— Que bom. Aliás, obrigado por ter me resgatado da tempestade e das sombras, senhorita sereia. Eu já conheci muitas garotas capazes de hipnotizar um cara, mas você, com certeza, deixa todos no chinelo.

Prendi um riso, novamente me derretendo.

— Quanto tempo você ficou treinando essas cantadas, hein?

— Eu sou bom de improviso — disse ele, erguendo as sobrancelhas. — E você me dá vontade de dizer tudo o que eu quero dizer.

— Como eu disse mais cedo. Chega de se esconder, de se controlar.

Ele deu mais um sorrisinho e nos aproximamos naturalmente para nosso primeiro beijo em público. Não tinha como não ser durante aquela música com instruções tão precisas.

Não deixei demorar muito, para não chamar tanta atenção na noite da Sunny, mas foi suficiente. Depois, o abracei, me sentindo confortável com ele ao meu redor.

— Eu te amo — ele disse, baixinho, o que me surpreendeu.

Eu sentia o mesmo. Senti vontade de falar isso no bloco de Ciências Naturais, mas tive medo de que fosse muito cedo.

Aparentemente, eu não era a única emocionada.

Me afastei um pouco para encará-lo, para transmitir minha sinceridade e deixar claro que não era só uma resposta por script.

— Eu te amo, Vermelho.

Tão logo o sorriso bobo se formou nos lábios dele, o atrapalhei com mais um beijo curto para concretizar aquelas declarações.



MAYA

21h45

sexta


A festa começou.

Aquilo não era uma formatura, nem nada do tipo. Não era uma conclusão de semestre. Mas, àquela hora, até parecia.

Depois de tanta treta, e tanto percalço, tudo parecia estar se ajeitando.

Eu continuava bem com Felipe, como sempre, e nosso único e grande problema tinha sido contornado. Vermelho, que vinha sendo o perfeito equilíbrio entre uma pedra no sapato e um amigo fiel, encontrou seu lugar no mundo e nos deixou viver nossa aventura. Além de tudo, tinha descolado um amor para chamar de seu, que era tudo o que eu poderia desejar para ele. Bom, para aqueles dois.

Sunny estava oficialmente noiva e, tendo sido esclarecida sobre as coisas, parecia que estava lembrando de como era apaixonada pelo Jae, desde sempre; eu vi, no dia da recepção de calouros, como aqueles dois combinavam, como se gostavam de verdade. Parecia mentira quando eles terminaram, e, naquela noite, parecia que nunca tinham estado separados.

As faíscas entre Duda e Guilherme eram a coisa mais complicada. Imaginava que demoraria algum tempo para que eles se acertassem de vez. Nina já tinha ido embora, e Guilherme ainda estava sozinho, um pouquinho deslocado, talvez, mas parecia estar se soltando aos poucos. Esperava que ele ficasse bem.

Olhei para Felipe, com aqueles olhos ininterruptamente verdes desde a manhã.














Estava tudo perfeito.

— Parece que sobrevivemos a esse semestre — eu disse.

Ele sorriu.

— Que bom, princesa, porque ainda te faltam sete, e seis pra mim. Mas eu tenho certeza de que vamos dar conta.

— E se aquele cara voltar? — perguntei, sem deixar o pessimismo tomar conta daquela noite.

— O reitor está cuidando dele. Mas, se voltar, a gente acaba com ele.

Eu ri.

— Com certeza, acabamos.

— Além disso, as provas já vão começar.

Assenti concordando.

— Quem precisa de inimigos quando temos um boletim para deixar azul?




FIM


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