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EP. 15 BEIJOS

MAYA

18h16

sexta


Foi uma semana bem intensa.

A volta para casa, com várias vitórias acumuladas, foi bem gratificante, por mais que estivéssemos todos exaustos. Mesmo sem ter vencido no vôlei, eu estava feliz pelas vitórias dos times de cheerleading, basquete e e-sports, especialmente pelos meus amigos mais próximos que faziam parte desses times.

A parte ruim é que eu não consegui fazer a viagem de volta junto com Felipe. Com o fim dos campeonatos, a desculpa da “reunião dos capitães” não fazia mais sentido, e nós nem cogitamos contar outra lorota para o Alfa.

A semana foi de glórias para todos os Dragões, incluindo algumas comemorações simples e muito descanso. Também começamos a ver alguns cartazes do Baile Mistério pelo campus. Por outro lado, tínhamos que lidar com as nossas obrigações acadêmicas.

Quando minhas obrigações na sexta-feira se encerraram, saí da estufa e fui para meu quarto, aliviada por ter um tempo para relaxar. Esperava que o fim de semana pudesse ser tranquilo.

Cheguei ao quarto e me deparei com Duda se preparando para sair.

— Olha só, quem tá indo pra noite — comentei, em tom de brincadeira, antes de me jogar na minha cama. — Queria ter essa disposição.

— Não é nada demais, amiga — ela riu. — Eu só vou nadar com Guilherme um pouco.

— Ah, esses privilégios dominenses. É um luxo terem uma piscina só pra vocês.

— Teoricamente, ela não é só nossa, mas somos alguns dos poucos interessados em natação noturna que podem usufruir nesse horário.

Ela terminou de se arrumar rapidamente, e foi para a porta. Antes de sair, olhou para mim.

— Já tô indo. Eu vou demorar, então, caso queira usar o quarto, fica à vontade. Eu aviso antes de voltar.

Franzi o cenho, mas tentei agir naturalmente.

— Tudo bem. Bom nado.

Ela deu uma piscadinha sorridente e saiu.

Quando ela fechou a porta, eu me sentei na cama, pensando sobre aquilo.

Eu conhecia o código “usar o quarto”. Trazer alguém para fazer coisas que não podem ser feitas na luz do dia. Eu nunca tinha cogitado levar Felipe para o meu quarto, já que até um beijo poderia ser problema… mas, pensando por outro lado, teríamos um lugar para ficar à vontade, mesmo que fosse só para conversar.

Mandei uma mensagem para ele.



FELIPE

18h32

sexta


Entrei no elevador, e a porta se fechou. Como todo elevador tinha espelho, eu estava acostumado a ter companhia.

— O que estamos fazendo no elevador do prédio feminino? — perguntou Vermelho, sem cerimônia.

Mesmo não tendo planejado nada, a pergunta me deixou nervoso, especialmente o tom dele.

— Duda foi para a piscina com o Gui, então Maya me chamou para ficar lá… de boa.

— De boa. Sei — Vermelho grunhiu, sem parecer convencido. — Olha lá o que vocês vão fazer. Eu tô bem aqui.

Não contive um longo suspiro.

— Não vai acontecer nada, Vermelho. Mas, se puder se esforçar um pouco…

— Claro, claro, eu vou me esforçar, sim… — apesar do tom levemente debochado, ele parecia estar sendo sincero. — Eu realmente acho que seria legal você ter um momento com a sua namorada.

O elevador se abriu, e eu saí.

— Eu só tenho medo de não me controlar — ele disse.

Eu olhei e o encarei antes que a porta se fechasse.

— Nós vamos conseguir — garanti, antes que a porta se colocasse entre nós.

Continuei pelo corredor até o quarto que ela havia me indicado na mensagem e bati na porta. Ela não demorou a abrir.

Estava usando a mesma roupa que mais cedo, na estufa, embora agora estivesse sem o macacão e demais equipamentos de jardinagem. Uma blusa azul estampada, bermuda jeans clara até a canela, e agora estava descalça. O cabelo, que antes estava solto, tinha sido arrumado em um coque alto bem despojado, sem muita atenção, e os cachos dourados soltos emolduraram seu rosto. Meu sorriso se abriu naturalmente.

— Oi — eu disse.

— Oi — ela respondeu, abrindo caminho. — Pode entrar.

Eu adentrei o quarto pela primeira vez, observando toda a decoração. Ela e Duda tinham personalidades bem diferentes, então não era difícil reconhecer qual era o lado de cada uma.

Apesar disso, Maya fechou a porta e indicou seu lado, mais especificamente sua cama, para que pudéssemos sentar. Eu fiquei um pouco nervoso, mas aceitei o convite. Nos sentamos na beirada, de frente um para o outro; no primeiro momento, ficamos apenas nos encarando, o que pode ter parecido constrangedor, mas eu amava olhar para ela.

— Eu te amo, sabia? — eu disse, calmamente.

Ela abriu aquele sorriso lindo e chegou mais perto de mim. Eu queria muito que ela fizesse isso, mas meus instintos me colocaram um pouco para trás. Depois do que aconteceu na festa, eu estava com muito medo de colocar tudo a perder. Obviamente, ela percebeu meu comportamento, mas não deixou isso abalar a alegria que transparecia.

— Tudo bem? — perguntou ela.

— Claro — eu disse, tentando soar o mais natural possível. — Tudo bem. É só o mesmo receio de sempre.

Ela franziu os lábios, parecendo preocupada. Eu imediatamente senti que estava estragando tudo.

— Mas está tudo bem — eu insisti. Em um lapso de confiança, eu puxei as pernas delas para cima das minhas, para ficarmos mais perto. — Não vai acontecer nada de ruim — garanti.

Ela ensaiou um sorriso, o que, de certa forma, foi ainda mais tentador do que um sorriso completo. Ela colocou as mãos nos meus ombros, me sentindo, mas sempre cuidadosa.

— Só quando tiver certeza — disse ela.

Eu esperei um pouco, apenas encarando-a. Eu queria beijá-la, muito mesmo, e não conseguiria esperar mais. Então, eu me obriguei a ter certeza. Disse para mim mesmo que eu estava no controle do meu corpo, que eu queria estar, apenas para poder tê-la.

— Eu tenho certeza — eu disse.

Logo em seguida, eu cruzei o caminho que faltava e a beijei. Tentei me segurar, mantendo o mínimo de intensidade, por mais que eu a desejasse demais. Não podia colocar tudo a perder, de forma nenhuma. Quanto mais eu a beijava, a sentia e a queria, mais eu dizia para mim que estava no controle de mim mesmo. Às vezes, imaginava Vermelho trancado no fundo da minha mente, lendo um livro ou coisa assim, alheio a tudo aquilo que acontecia na vida real. Ele não desejava tomar o meu corpo, não naquele momento, então ele não o tomaria.

Algumas vezes, fizemos pausas. Paramos de nos beijar, nos encaramos e rimos. Trocamos uma ou outra carícia, dissemos coisas românticas, ou apenas nos observamos, apaixonados. Então, cuidadosamente, retomamos o beijo.

Em uma dessas pausas, Maya fugiu um pouco do assunto.

— Estamos indo bem — comentou ela.

— É, estamos — eu assumi, contente por isso.

— Achei que, a essa altura, ele já teria aparecido.

— Também achei, mas eu tô tentando uma tática nova. Parece que tá dando certo.

— Parece mesmo. Então, tudo bem se eu tentar uma coisa nova?

Eu hesitei um pouco. 

— Maya… Eu quero muito ir além com você. Muito mesmo, mas… eu tenho tanto medo. Se ele aparecer enquanto…

— Não é nada demais — ela me interrompeu, com sua voz irradiando calma. — Não vamos fazer nada diferente. E eu também pensei sobre o que conversamos na festa. Talvez… se ele precise aparecer uma vez ou outra para que a gente tenha um momento nosso… talvez valha a pena.

Ergui as sobrancelhas, positivamente surpreso.

— Achei que você não estivesse confortável com isso.

— Mais ou menos — ela admitiu. — É longe de ser confortável, mas é suportável. Não em todos os níveis. Tem coisas que eu não me vejo fazendo com risco dele aparecer, mas… tem algumas coisas que dá.

— Como isso que estamos fazendo — eu disse, como um bom aluno.

— É. E também, uma outra coisa.

Ela se afastou um pouco de mim, com muita calma. A expressão dela parecia mostrar uma mistura paradoxal de audácia e medo. Sem desviar os olhos de mim nem por um momento, ela afastou minhas mãos do corpo dela, para ter um pouco de espaço para o que pretendia. Eu comecei a ficar um pouco nervoso, mas sempre tentando me conter. Então, ela segurou a barra da sua própria camiseta e, novamente, com todo o cuidado que era possível, a levantou.

Eu senti meu coração acelerar, o que era uma grande bandeira vermelha, mas me obriguei a me acalmar. Mantive meu pensamento no controle, o tão desejado controle. Eu precisava ser eu, precisava ser eu. A pele dela aparecia cada vez mais. Controle. Barriga. Controle. Sutiã de renda branca. Controle. Controle. Céus. Não. Controle. Ela é linda. Linda demais. Controle. O rosto dela apareceu. Ela jogou a camiseta de lado, sem deixar de olhar para mim. Eu encarei os olhos verde, evitando o outro par tentador.

— Você é maluca — eu disse.

Ela riu um pouco, surpresa.

— Achei que você diria outra coisa.

— Você é linda — admiti, me derretendo um pouco. — Mas é maluca por achar que isso é uma boa ideia.

— Eu posso colocar de volta, se você quiser.

— Não — eu disse, talvez um pouco rápido demais. Sem que eu notasse, tinha segurado a cintura dela. Eu estava sentindo a pele dela. Aquilo era muito perigoso, mas não tinha mais volta. — Não — eu repeti, mais calmo. — Tá tudo bem — eu disse, mesmo sem estar.

Devagar, a puxei de volta para me beijar.

Eu estava de olhos fechados, e ainda estava com minha camiseta, então não deveria ser tão diferente; mas eu estava segurando a cintura dela, sentindo a pele dela; mesmo com minha camiseta, consegui sentir a textura da renda.

Eu queria senti-la mais.

Comecei a subir as mãos com muito, muito cuidado.

E ficou tudo escuro.

Abri os olhos e me encontrei sozinho na minha mente. Não era a primeira vez que acontecia, mas era a primeira vez que eu ficava tão apavorado.



VERMELHO

17h12

sexta


Eu estava lendo um livro bem tranquilo.

No fundo, torcendo para não acordar em uma situação indevida, mas me concentrando na serenidade do meu livro bem tranquilo.

Ainda assim, adivinha o que aconteceu? Pois é.

Eu apareci no mundo real no meio de um beijo. Logo assimilei toda a cena e me afastei completamente, ou tanto quanto eu podia. Afastei meu tronco e minhas mãos, mas as pernas de Maya em cima das minhas pernas não me deixava sair mais que isso. Quando eu consegui encará-la, desejei não ter feito isso. Maya estava seminua.

— Ai, caralho — eu disse, enquanto fechava os olhos para não ver o que não devia.

— Vermelho? — perguntou Maya, parecendo decepcionada.

— Eu não queria estar aqui — me apressei em dizer, colocando as mãos nos meus olhos para reforçar que eu não estava sendo um depravado. — Pode tirar suas pernas, por favor?

Pelo menos, ela ainda estava de calça jeans. Tirou as pernas de cima de mim, e eu me levantei em seguida, virando para o outro lado.

— Tá tudo bem, Vermelho — ouvi-a dizer, sem muita confiança.

— Vocês são malucos, né? Como se não soubessem que ia dar merda.

— Você disse que tudo seria mais fácil se eu te visse como ele, eu tô tentando te dizer que tá tudo bem.

— Não, não tá tudo bem. Você disse que eu não sou seu namorado, e está coberta de razão. Eu não quero fazer parte disso.

— Eu também não quero que você faça parte, mas nós não temos muitas alternativas.

Eu não sabia se Maya estava vestida. Pelo tempo, imaginei que sim, mas, dado o discurso bastante controverso, não fiquei exatamente surpreso ao ver que ela estava exatamente do mesmo jeito. Eu não sentia atração por Maya, mas me concentrei para focar nos olhos dela.

— Eu não quero fazer parte disso — eu insisti. — E vocês não podem me obrigar. Não podem decidir por mim! Eu estou exausto dessa coisa de não ter controle, e vocês estão acabando comigo!

— Cara, tenta se acalmar! Não é o fim do mundo. Se você ficar de boa, talvez ele volte…

— Talvez ele volte? — eu a interrompi, ainda mais irado. — Talvez ele volte? É sério? Você quer continuar a brincar com ele depois do que acabou de acontecer? E depois de tudo o que eu acabei de dizer?

— Vocês estão treinando o controle — ela disse, tentando me acalmar. — E estão indo muito bem.

— Para com isso! — eu surtei. — Para de achar que eu tenho que me adequar a você! Você quer mais que eu suma, não é mesmo? Então tá, eu faço questão de sumir da sua vida, Maya, mas eu não vou sozinho.

Sem conseguir ficar mais naquele lugar, eu abri a porta e saí do quarto. Andei em direção ao elevador, mas me parei antes de apertar o botão. Eu teria que me encontrar com Felipe lá dentro, então preferi não fazer isso. Fui para as escadas.

Eu fui descendo cada lance o mais rápido que eu podia. Estava furioso, angustiado e atordoado, de forma que batia nas paredes. Eu queria ficar sozinho, mas não podia. Precisava de um amigo, alguém com quem contar. Primeiramente pensei em Jae, mas ele deveria estar ocupado àquela hora. Então, pensei na minha amiga mais recente. Por ironia do Destino, eu sabia muito bem seu paradeiro.

Alcancei o térreo, corri para fora do prédio e encontrei a noite. Então, iniciei uma nova corrida para a piscina. O campus estava movimentado àquela hora, mas ninguém estranhou meu comportamento, felizmente.

Entrei no prédio que cercava a piscina. A grade estava fechada, mas ela era bem baixa, então apenas a pulei.

A piscina ficava no meio do galpão, e era cercada por vestiários e algumas mesas.  A piscina não estava em horário de funcionamento, tudo estava apagado, exceto a luz da piscina, que jogava uma cortina azul em tudo o que havia ali. Como o local estava vazio, não demorei a encontrar Duda, que estava vendo mensagens em sua pulseira, sentada em uma das mesas. Me apressei em direção a ela.

— Ah, ainda bem — eu disse, diminuindo minha velocidade ao chegar.

Ela franziu o cenho e se levantou.

— Vermelho? O que tá fazendo aqui?

— Desculpa, eu não sei mais pra onde ir, mas eu preciso falar com alguém, e você é uma das poucas pessoas em quem eu confiaria — eu disse, atropelando minhas próprias frases.

— O que aconteceu? — perguntou ela, um pouco assustada. — Tenta se acalmar.

Eu respirei fundo, o que não pareceu ajudar muito.

— Eu não sei por que estou tão nervoso assim — eu disse, sacudindo as mãos. — Eu já apareci outras vezes quando eles estavam juntos, mas eu nunca fiquei desse jeito…

— Tá falando de Maya e Felipe? Você atrapalhou alguma coisa.

— Atrapalhei. Eu não queria. Eu sabia que eles estariam juntos e sozinhos, então eu tentei ficar longe, mas não deu…

— O que você encontrou foi tão ruim assim?

— Não, até que não, mas… Maya estava sem camiseta. Só isso. Mesmo assim, eu não deveria ter visto isso.

Duda olhou para si mesma. Ela estava de short jeans e a parte de cima de um biquíni.

— Ela devia estar menos exposta do que eu tô agora. Não deve ter sido nada demais mesmo. E, você sabe, é uma característica de vocês… não é culpa de ninguém. Foi um acidente.

— Eu sei de tudo isso — eu disse, descompassado um pouco minha respiração. Talvez eu estivesse começando a chorar. — Pensando racionalmente, eu sei de tudo isso, mas… É muito difícil, Duda, eu não aguento mais.

Eu me sentia prestes a desabar, e ela pareceu perceber isso, porque me abraçou. Aquilo foi inesperado, mas eu estava tão desesperado por apoio que aceitei sem muita cerimônia. A abracei de volta.

E ficou tudo escuro.



FELIPE

18h45

sexta


Eu apareci de olhos fechados, abraçado a ela. A atmosfera parecia diferente de antes, mas eu não me prendi a isso; estava acostumado a trocas bruscas entre os momentos de controle. Poderia ter acontecido qualquer coisa nesse meio tempo, mas esperava que eles tivessem se acertado, já que estavam abraçados.

Então, eu a abracei mais forte. Esperava, assim, poder anunciar minha presença.

Apesar de tudo, eu me sentia exausto. Ele deveria ter corrido uma maratona ou… não, melhor nem pensar. E eu também me sentia instável. De todo modo, eu não estava pensando muito. Estava feliz por estar com ela, e queria estar cada vez mais.

Sem dar muita atenção a qualquer coisa, sem sequer abrir meus olhos, eu me afastei um pouco e beijei.

O beijo durou um único segundo, e ela me afastou, um pouco ríspida demais. Eu esperaria isso de Maya, querendo verificar se era eu ou ele. No entanto, eu entrei em choque quando abri meus olhos e percebi que aquela garota era Duda Machado.

— D-duda? — gaguejei.

Não por falta de motivos, ela parecia indignada. Ainda estava tentando formular uma frase, mas olhou para algum ponto além de mim e ficou ainda mais assustada. Eu olhei para o mesmo ponto, e vi Guilherme indo embora, sem parecer muito feliz.

— Porra, Felipe, que merda é essa? — Duda estava ainda mais irada, se era possível. Voltei minha atenção para ela, completamente sem graça.

— D-desculpa, eu achei que fosse a Maya.

— Achou que fosse a Maya? — ela misturava raiva e confusão, mas balançou as mãos se livrando de quaisquer pensamentos que a estivessem tomando. — Enfim, vocês são bem maluquinhos, né — ela riu, mas ainda parecia com raiva.

Eu entendi bem aquela reação: ela estava se esforçando para ser legal e não fazer com que eu ou Vermelho nos sentíssemos mal por nossas instabilidades.

— Desculpa mesmo — eu disse. — Eu errei. Deveria ter conferido.

Ela colocou as mãos na cintura, soando irônica.

— É, você deveria. Espero que ele entenda que foi um engano.

— Ah, ele vai entender — eu garanti.

Ela me encarou, sem confiar muito.

— Não é melhor você voltar pra sua Maya?

Eu ponderei. Tinha estragado tudo, mais uma vez. Além de estragar a minha noite. tinha estragado a da Duda. O quarto só estava livre porque ela curtiria uma piscina com o namorado, mas eu duvidava que isso fosse uma opção naquele momento. Então, não poderia deixar Duda sem poder ir para seu quarto, e aquela noite já tinha ido longe demais.

— É melhor eu voltar para o meu quarto — eu disse, e me virei para ir embora, mas continuei falado com ela. — Desculpa mesmo. Se precisar que eu converse com ele…

— Deixa pra lá, Felipe. Eu me viro.

Assenti e saí do galpão.

Logo depois, mandei uma mensagem para Maya.


___________________________________________________

Felipe

Eu voltei. Me desculpe por ser tão esquisito. Eu sou um péssimo namorado. Apesar disso, eu te amo muito, então, enquanto você estiver disposta a tentar ser feliz comigo, eu também estarei. Hoje não deu certo, mas ainda temos tempo.

___________________________________________________




DUDA

19h21

sexta


Eu tomei banho no vestiário do banheiro, me vesti e voltei para o quarto. Já que Felipe tinha desistido da empreitada, eu podia ao menos ficar triste no meu quarto.

Não parei de pensar em como ele foi maluco em ter me beijado. Apesar disso, apesar de estar com raiva pela situação toda, eu sentia muita pena daqueles três.

Quando cheguei ao quarto, me deparei com Maya em sua roupa de dormir, lendo um livro, parecendo bem triste ou… decepcionada?

Imediatamente, meu subconsciente quis gritar: seu namorado me beijou!, mas eu me segurei.

Também pensei em perguntar como havia sido, mas, além de eu já saber, o jeito que ela estava já evidenciava que era melhor nem tocar no assunto.

Mandei mensagem para Felipe dizendo que manteria segredo, mas que achava que ele devia contar. Ele disse que pretendia fazer isso.



DUDA

7h24

segunda


O fim de semana foi terrível. Mandei várias mensagens para Guilherme, até liguei, mas ele não deu sinal de vida. Devia estar mesmo muito chateado, e eu não podia culpá-lo.

Ao menos, no primeiro horário da segunda, teria uma aula especial de Produção Textual. Era um tipo de oficina, na qual eles juntavam alunos aleatórios de vários cursos em uma turma grande. Portanto, era uma situação atípica onde eu teria aula com Guilherme. Esperava poder conversar com ele sobre o ocorrido, então torci para ele ter esfriado a cabeça.

Quando entrei na sala, logo esperei encontrar Guilherme, mas, para meu azar, a primeira pessoa que vi foi Felipe. Ou Vermelho. Era impossível saber, porque ele estava atipicamente de óculos escuros, com uma daquelas caras nada agradáveis. Parecia um adolescente rebelde que queria sumir do mapa.

Procurei me sentar a uma distância segura dele. Logo depois, vi Guilherme entrar na sala. Os olhos dele pararam em mim, mas não por muito tempo. Ele continuou agindo como se não me conhecesse.

Quando a oficina acabou, Guilherme logo se levantou e saiu, e eu me apressei para alcançá-lo. Imaginando que ele não me atenderia se eu chamasse, apenas cheguei perto e puxei o ombro dele, me colocando em sua frente em seguida.

— Nós precisamos conversar — eu disse, em tom firme.

Ele deu um longo suspiro, me encarando, finalmente.

— Eduarda… Não vamos nos prestar a esse papel, tá bem? Nós dois sabemos o que aconteceu na sexta-feira, então paramos por aqui.

Ergui a sobrancelhas, incrédula. Ele começou a sair, mas eu o segurei.

— Ei, calma aí! — eu disse, com um pouco de raiva. — Mesmo que queira terminar comigo, tem que fazer isso direito. Não pode nem ao menos ouvir o que eu tenho pra falar? Seu amor é tão frágil assim?

— Frágil? Eu sei bem o que eu vi. Não tem explicação que contorne isso.

— Eu posso tentar? — perguntei, ainda indignada com aquele comportamento.

Ele deu de ombros, sem colocar fé em mim. Parecia bem irritado.

— Vai em frente.

Franzi os lábios, percebendo que seria difícil de convencer.

— Felipe e Vermelho estavam instáveis. Vermelho veio me procurar para ajudá-lo, porque ele estava tendo uma crise de ansiedade, e eu o apoiei. Felipe apareceu, bem instável, e achou que eu fosse a Maya.

Guilherme ergueu as sobrancelhas, bem debochado.

— Acho que fosse a Maya? Uau, vocês são realmente bem parecidas.

— Pode me levar a sério, por favor? Eu também não sei como foi possível ele confundir, mas eles têm um problema…

— É, você já disse. Passa bastante pano pra esse transtorno de personalidade. Aposto que a gincana fez muito bem a vocês três.

Virei um pouco a cabeça, achando cada vez mais absurdo aquele comportamento.

— Então você realmente não confia em mim? Realmente acha que eu me inclinaria a qualquer pessoa que fosse um pouco legal comigo?

— Eu não sei, Duda, mas eu não me sinto confortável de estar com alguém que não sabe o que quer. Eu não sei se eu consigo confiar depois do que eu vi. Pode até ter sido um acidente, mas… aconteceu. Eu estava lá.

Eu dei um passo atrás, me rendendo. Meus olhos estavam ardendo.

— Ok — eu disse, tentando me convencer dessa tranquilidade. — Se você não confia mais em mim, não há nada que eu possa fazer. Bom, eu… — hesitei, suspirei. Queria lutar por ele, mas tal luta já estava perdida. Ele já tinha tomado a decisão. — Eu amo você, Guilherme — eu disse, tentando permanecer estável. — De verdade. E eu confio em você. Mas eu não vou me humilhar por reciprocidade. Não posso te obrigar a estar na mesma página que eu.

Eu esperei mais dois segundos, para ver se ele queria dizer mais alguma coisa, mas ele não pareceu mover sequer um músculo. Então, eu me virei e fui para o outro lado do corredor.

Inesperadamente, tive que desviar de Felipe, que estava alguns metros atrás, observando tudo com aqueles óculos escuros. Não consegui sequer olhar para ele, porque estava à beira das lágrimas. Eu não o estava culpando; não conseguiria encarar ninguém naquelas condições, então eu comecei a correr para longe dali.



FELIPE

9h32

segunda


— Você é um babaca — eu disse, firmemente, para Guilherme, depois de andar alguns passos na direção dele.

— Obrigado, Vermelho — disse ele, contendo a raiva. — Você sempre foi.

Tirei os óculos, mostrando meus olhos verdes, enquanto me aproximava um pouco mais.

— Você é um babaca, Guilherme — eu disse, mais pausadamente. Eu não esperaria isso de mim, mas eu estava com muita raiva. — Você me conhece há quanto tempo? Acha que eu seria estúpido a ponto de beijar sua namorada de propósito? E mesmo se eu fosse tão idiota, eu seria burro a ponto de fazer isso sabendo que você estaria ali?

Obviamente, Guilherme não me respondeu, mas não aparentou estar muito afetado. Conhecendo-o bem, eu imaginava que ele estivesse guardando todas as emoções daquele dia atrás daquela máscara, e, ao menos por enquanto, seria impossível saber o que ele realmente estava sentindo.

Sem esperar mais nenhuma reação, continuei meu caminho pelo corredor, e entrei no banheiro masculino mais próximo.

Apoiei minhas mãos na pia, encarando o espelho. Vermelho estava parecendo confuso.

— Eu não consigo ouvir tão bem pelos reflexos de vidros nas portas de sala de aula — confessou ele. — Será que você vai me contar o que está acontecendo ou eu vou ter que descobrir sozinho?

Hesitei um pouco.

— Eu beijei a Duda — falei de uma vez.

— Foi o que eu ouvi — disse ele, sem parecer tão surpreso. — Como raios você confundiu?

— Eu não sei. Eu não estava normal. 

— É, eu também não estava, naquela noite. Talvez tenha sido culpa minha.

— Bom, não importa. Foi um acidente, e Duda já me desculpou. Pelo menos tinha desculpado, antes de Guilherme terminar com ela na lata.

— Ah, então foi por isso que você chamou ele de babaca — disse ele, como um grande detetive. — É, acho que eu vou concordar com você nessa. 

Eu assenti, ainda sem estar no meu normal.

— A Maya sabe?

— Ainda não.

— Então é melhor você se apressar. Você foi tema de uma conversa de corredor, e as notícias voam.

Eu assenti, concordando.

— Eu vou fazer isso agora — eu disse, e fui para a porta; mas, antes de sair, algo me ocorreu. — Ah, Vermelho… De repente você se dá bem nessa.

— Como assim? — perguntou ele, desconfiado.

— Você sempre reclama de não ter uma namorada, como eu tenho… Você e a Duda se aproximaram bastante nos últimos tempos, e agora ela tá solteira.

Ele franziu o cenho. Abri um sorrisinho, indicando que era apenas uma implicância. Ele deu um suspiro, contendo a raiva.

— Talvez você esteja mesmo querendo isso, já que até beijou ela antes de mim.

Ergui as sobrancelhas, incrédulo. Apesar da brincadeira de mau gosto, eu gostei daquela conversa. Vermelho tinha mudado muito naquele semestre; não conseguia imaginar uma conversa daquelas na nossa adolescência.

— É bom ter você como amigo, Vermelho — confessei, e saí.

Comecei andando pelo corredor em direção ao bloco de Diplomacia, que não era longe. Então, liguei pra Maya.

— Oi, amor — disse ela, baixinho. — Eu tô em aula.

— Preciso falar com você — eu disse, baixinho também, mas bem fofo. — É urgente. Me encontra na frente do bloco.

— Tá bom.

Ela desligou. Eu fiquei rindo sozinho, e continuei andando. Encontrei com ela no local combinado. Ela estava com o cabelo solto, usando um vestidinho lindo. Me encantava sempre que olhava pra ela.

Ela sorriu pra mim, mesmo estando um pouco diferente.

— Oi — disse ela.

— Oi, amor —  eu disse, e arrisquei cumprimentá-la com um selinho. Ela o aceitou normalmente.

— Desculpa pelo sumiço no fim de semana — ela disse, parecendo um pouco nervosa. — Eu estava um pouco mal com o que aconteceu sexta.

— Ei, tá tudo bem. Não tem problema — eu disse e ela pareceu mais tranquila.

— Então, qual é a urgência? — ela perguntou, naturalmente.

Eu fiquei um pouco mais sério.

— Também é sobre sexta. Tem uma coisa que aconteceu naquela noite que você ainda não sabe, e eu quero te contar logo.

Ela cruzou os braços, parecendo um pouco apreensiva, mas disposta a ouvir.

— Pode me contar, mô.

Eu dei um suspiro leve para tomar coragem.

— Quando saiu do seu quarto, Vermelho teve uma crise de ansiedade. Ele foi pedir ajuda a Duda, e eles se abraçaram e tal. Então, eu voltei, muito instável. Eu achei que ele estava abraçando você, então… Eu acabei beijando a Eduarda.

Maya arregalou um pouco os olhos, mas conseguiu disfarçar a surpresa.

— Ok… — disse ela, tentando assimilar.

— Foi um acidente. Eu não abri os olhos, não confessei que era você, mas… não estava pensando direito, mas não imaginaria que Vermelho poderia estar com outra garota tão rápido.

Maya assentiu, franzindo o cenho e olhando para algum ponto no horizonte. Talvez estivesse imaginando a cena, talvez apenas quisesse assimilar.

— E como foi? — perguntou ela, antes de olhar para mim.

Ergui as sobrancelhas, um pouco surpreso com a pergunta.

— Amor, não foi nada — eu disse, mas repensei minhas palavras. Ela merecia respostas. — Foi bem rápido, porque ela me afastou logo. Não senti nada diferente. Eu não sinto atração pela Duda, de forma nenhuma. E eu sou completamente apaixonado por você. Não tenha dúvidas disso.

Ela assentiu novamente.

— Foi um acidente — ela disse, provavelmente tentando convencer a si mesma.

Eu balancei a cabeça, concordando.

— Foi uma acidente — repeti. — Eu imagino que isso possa ser difícil de engolir. Mesmo sendo um acidente, não é algo que aconteceria se você tivesse um namorado normal, então…

Maya me interrompeu com um beijo. Foi um beijo longo e inesperado, então meu sistema nervoso deu um duplo twist carpado e meu cérebro ficou piscando sem parar. Eu fui e voltei umas dez vezes em quatro segundos. Quando ela se afastou, eu me estabilizei.

— Você é normal — ela disse, ainda segurando o meu rosto. — Vamos esquecer isso, está bem?

Eu demorei para assimilar, mas, assim que fiz isso, abri um sorriso enorme e a abracei.

— Está bem. Você é demais.

Ela riu e me beijou de novo.



DUDA

9h53

segunda


Eu estava atrás de um conjunto de arbustos, que era muito comum no campus. Não que eu estivesse espionando, mas, quando os notei, decidi observar. Eu gostaria de ter deixado minha tristeza menos evidente, mas não esperava que alguém estivesse olhando.

— Cena depressiva? — perguntou Jae, aparecendo ao meu lado. — Eu também gosto. Sou um romântico-masoquista.

Me permiti rir um pouco, sem tirar os olhos deles

— Você gosta de observar Sunny e Tae — lembrei. — Gosta de ver que tem outra pessoa com a pessoa que você ama.

— Exatamente. Então, você está interessada no Felipe, no Vermelho ou na Maya?

Eu o encarei, surpresa.

— Em nenhum deles. Eu tenho namorado — de repente, eu murchei. — Quer dizer, eu tinha.

— Terminou com o Guilherme? — perguntou ele, bastante surpreso.

— Ele terminou comigo. Mas não quero falar sobre isso.

— Ok, assunto encerrado. Então, Felipe e Maya. O que te deixa triste em um casal feliz?

— Acho que tenho inveja da resolução. Eles tinham tudo para dar errado, já que ele é 2 em 1… mas Maya vê tudo com tanta naturalidade e… maturidade.

— E Guilherme não é assim?

— Não. Ele foi bem idiota.

— Nossa — ele franziu o cenho. — Não esperava isso do Gui.

— Eu muito menos — enfatizei.

— Isso é no mínimo esquisito, mas… enfim, assunto encerrado. Você deveria socar alguma coisa, colocar essa raiva pra fora.

O encarei novamente.

— Isso é um convite?

— Claro que é. Vem, a sala de taekwondo está vazia agora.

Me permiti sorrir e segui Jae para o bloco de Artes de Combate.


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As calouras Maya e Duda chegam à Drim University. Sunny está no segundo período e tenta convencê-las a serem líderes de torcida.

 
 
 
EP. 2. JOGO

Duda é convidada a fazer parte do time de e-sports da atlética Dragões e conhece o capitão, Guilherme.

 
 
 
EP.3. DUALIDADE

Maya descobre que Felipe e Vermelho são duas pessoas diferentes que habitam o mesmo corpo, e tenta aprender a lidar com eles.

 
 
 

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