EP. 13. VIAGEM PT.1
- Jéssica Sanz
- 11 de jan.
- 19 min de leitura
MAYA
quarta
17h47
Depois de empilhar todas as roupas que pretendia levar, incluindo muitos lookinhos de treinamento e diferentes versões do uniforme do time feminino de vôlei, eu coloquei sobre a mesa, ao lado das outras coisas que já estavam prontas para ir. Então, guardei tudo em uma das minhas esferas.
Peguei sobre a cama a minha mochilinha, que estava com itens de primeira necessidade, e uma mantinha para caso estivesse muito frio. Por fim, me virei para o lado de Duda.
— Estou pronta — informei.
— Então podemos ir — disse ela, colocando sua bolsa no ombro.
Saímos do quarto, certificando de fechar bem, e fomos para o elevador. Assim que ele se abriu, encontramos Sunny, que abriu um sorriso ao nos ver.
— Não acredito que vamos viajar juntas! — disse ela, com tom saudosista.
— Nem eu — eu disse, enquanto entrávamos no elevador. — Primeira viagem universitária. Isso é tão emocionante!
— Vocês vão amar — contou Sunny. — É uma das melhores coisas da faculdade.
O elevador se abriu e chegamos ao térreo. Começamos a caminhar confiantes pelo campus em direção ao ponto de encontro.
Assim que passamos pela porta de acesso para o estacionamento a céu aberto, pudemos ver três ônibus enfileirados e, ao lado deles, grupos de jovens enfileirados, cada um perto do seu ônibus. Ficamos ainda mais animadas e nos apressamos para alcançá-los.
Sunny foi direto para o time de cheerleading, encontrando o seu cada-vez-mais-óbvio affair. Ela abraçou Taesung muito animadamente, o que me dizia que ela estava cada vez mais perto de finalmente assumir o romance em público.
Duda foi direto para o time de e-sports, dando um beijo em seu namorado, Guilherme. Logo depois, ela cumprimentou o restante do time. Os dois times eram os únicos que não eram divididos em masculino e feminino, então estavam juntos no mesmo ônibus.
Meus olhos encontraram Felipe, junto a Jae e os outros meninos do basquete. Eram o primeiro time, já perto da entrada do primeiro ônibus. Meu coração se encheu de alegria por vê-lo, mas ela não demorou muito.
Lá no fundo da fileira de grupos, algo me chamou atenção: era Ana Laura, acenando para mim junto do time de vôlei, o último time, perto do último ônibus. Talvez Felipe tenha percebido o quanto murchei ao constatar que não iríamos no mesmo ônibus.
— Ei, fica tranquila — disse ele. — Nos vemos na parada. E nos vemos em Dominus, também.
Eu abri um sorriso. Era bom vê-lo tão otimista assim.
— Claro. Nos vemos em Dominus.
Comecei a andar em direção ao time, mas não resisti dois passos. Voltei correndo e o cumprimentei com um selinho, que foi suficiente para chamar atenção dos meninos do time, mas logo me afastei e corri para meu grupo.
O time feminino de vôlei estava ao lado do masculino. Cumprimentei todo mundo, sendo bem recebida como sempre.
A professora responsável pelo nosso grupo, Catpink, desceu do ônibus e disse que podíamos entrar.
— Tá tudo bem com você? — perguntou Ana Laura a mim, enquanto subíamos. Ela parecia sincera, então acabei não agindo no modo automático. Dei de ombros e forcei um sorriso.
— Tá de boa. Não é nada demais.
— Se estiver nervosa com a competição ou com a viagem, não precisa se preocupar. Acima de tudo, nós somos um time.
Eu assenti.
Lá pela terceira fileira de assentos, ela entrou em um dos pares de poltronas.
— Pode sentar comigo, se quiser.
Abri um novo sorriso. Ana Laura sabia que eu ainda não tinha me enturmado muito bem com as outras meninas. Ela, sendo a capitã, era próxima de todo mundo, e decidiu me acolher.
Sentei ao lado dela.
SUNNY
quarta
18h45
Os primeiros vinte minutos de viagem tinham sido com muita bagunça e música. O time de cheerleading estava viajando junto com o de e-sports, mas o contraste entre eles era bem nítido. Contendo animação no nome, meu time ocupava a frente do ônibus com muita gritaria, zoação, piadas e paródias. Enquanto isso, o time de esports ficou no fundão, se divertindo passivamente com o show. Ao menos, não pareciam chateados.
Como eu estava bem na frente, junto com Taesung, nos ajoelhamos nas poltronas olhando para trás por cima dos encostos, conseguindo observar tudo. Estava preocupada com Guilherme e, especialmente, com Duda, mas eles estavam rindo e não pareciam se incomodar com a algazarra.
Felizmente, não demorou muito para o time se acalmar. Agora, havia diversas conversas rolando, algumas mais altas que outras. Algumas entre duplas, outras entre grupos.
Eu estava ao lado de Taesung e cercada pelos meus fiéis companheiros de time, que eram como uma família para mim. Ele tinha se envolvido na bagunça, mais do que eu, mas, agora, estava quietinho ao meu lado, tentando cochilar um pouco.
Mesmo com tudo aquilo, eu ainda pensava que era para Jae estar conosco. Ele sempre esteve, era parte de nós… mas agora não era mais. Grande parte de mim estava muito grata por não ter que estar no mesmo ônibus que ele, porque seria uma grande pressão… Só que eu também estava começando a ficar com um pouco de receio. Lembrava da conversa onde eu e Jae terminamos, onde ele desesperadamente tentou me alertar de que Taesung não era flor que se cheirasse, por ser um hipnotizador. Na Festa de Junho foi a primeira vez em que essa preocupação pareceu válida. Eu estava me esforçando para voltar a ver Taesung como alguém totalmente confiável.
De repente, Taesung se virou para mim.
— Eu queria te mostrar uma coisa.
O gatilho de curiosidade funcionou. Olhei para ele, atenta.
— O que é?
Ele pegou no bolso do casaco um potinho branco de lentes de contato, me mostrando ele na palma de sua mão aberta.
— O professor Rosé conseguiu isso pra mim. São lentes de contato especiais para hipnotizadores, que bloqueiam completamente o efeito. Eu vou usar isso em todas as competições a partir de agora.
Olhei para o pote de lentes tentando conter o sorriso. Aquilo era uma prova enorme de confiança, aquela que eu estava precisando. Eu olhei para ele, mantendo aquele contentamento, mas, de repente, meu brilho sumiu um pouco, quando me dei conta de algo.
— Só nas competições? Por que não usa sempre?
Dessa vez, foi a alegria dele que sumiu. Ele pareceu um pouco chateado e olhou para baixo.
— Você tá me pedindo para abdicar completamente do meu poder? — ele disse, antes de olhar para mim, como um desafio.
Ergui as sobrancelhas.
— Taesung, o seu poder é, literalmente, enganar as pessoas — eu disse, e ele fez uma expressão de incredulidade, mas eu continuei. — Por que você iria querer isso?
Ele deu uma risada soprada.
— Olha, eu sei controlar o meu poder.
— Como na Festa de Junho?
— Menos em competições. Competir exige muita concentração, e tudo o que eu quero é me sair bem, então escapa. Por isso as lentes. Fora isso, eu estou acostumado a usar a hipnose para me ajudar em algumas coisinhas inofensivas.
Fiz uma careta de reprovação.
— Inofensivas — eu disse, sem acreditar muito.
— E não é como se eu fosse o único. Todo jesveriano tem um poder, e muitos deles usam seus poderes para ter alguma vantagem. Cada um tem a sua vantagem. E você, senhorita capitã, que esconde o seu poder… não estou acusando nem nada, mas deve haver um bom motivo, não é? Talvez seu poder seja magnífico demais para ser mostrado. Pode até ser que você seja literalmente uma flyer e consiga voar e ficar um pouco mais leve para as bases…
— Isso seria trapaça.
— … se bem que, se fosse, não teria caído no meu colo aquele dia.
Ele abriu aquele sorrisinho travesso, me indicando que estava brincando sobre aquilo, e eu consegui rir um pouco.
— Eu sei que você não trapacearia. E eu não tô me pedindo pra contar o seu poder. Aliás, se eu quisesse mesmo me aproveitar da hipnose e ser uma pessoa ruim, eu já teria feito você me contar.
— É verdade — eu disse, impressionada com aquela constatação.
Ele riu um pouco. Eu dei um suspiro.
— Olha, eu não deveria, mas eu vou te dar apenas uma dica. O meu poder não é nada magnífico. Não é algo que precise ser escondido, eu só… Prefiro manter nas sombras.
Ele assentiu.
— Tudo bem. Não faço ideia do que isso quer dizer, mas não me importo. Eu sei que você vai me contar quando quiser, se quiser.
Dei mais um sorriso, contente por estar bem com ele novamente, e me aconcheguei no ombro de Taesung para cochilar um pouco.
DUDA
quarta
19h53
Quase oito da noite, os ônibus pararam em um restaurante e lanchonete de beira de estrada. Me levantei do aconchegante colo de Guilherme e todo mundo começou a descer.
Quando saí do ônibus, todo o grupo estava próximo, mas, como sempre, chamou minha atenção o casal Sunny e Tae. Eles estavam próximos e trocavam olhares confidentes. Eu me perguntava quando eles iriam finalmente se assumir. Não deveria estar sendo tão proveitoso viajar estando em um relacionamento secreto.
Aos poucos, os atletas foram se encontrando em seus grupinhos mais íntimos, em vez de permanecer juntos como time. Meus olhos encontraram os de Sunny e ela veio até mim, sendo acompanhada de perto.
— E ai, casal? — perguntou ela, animadinha. — Viajar junto tá sendo tão incrível como parece?
— É só o começo, mas, sim, incrível — disse Guilherme. — Vocês vão comer?
— Claro, tô cheio de fome — disse Tae.
Nós quatro começamos a andar até a entrada do restaurante. Foi notável que Guilherme ficou um pouco desconfortável com a presença de Tae, já que Jae era um de seus melhores amigos. Guilherme, Jae e Sunny deveriam ter feito essa viagem no semestre anterior, em condições bem diferentes.
Notei uma agitação quando Felipe passou por nós apressadamente, mas não foi difícil entender o motivo. Olhando para onde ele estava indo, consegui acompanhar o reencontro dele com Maya. Os dois pareciam radiantes, de repente. Acenei para Maya, sinalizando para que eles se juntassem a nós, e ambos se apressaram para nos alcançar.
Fizemos nossos pedidos nos balcões e, depois, escolhemos uma mesa com seis lugares. Apesar de sermos um círculo de amizade bastante óbvio, raramente nos reuníamos daquele jeito, talvez por causa dos diferentes horários. Entre os meninos, Taesung ainda parecia um intruso, mas nós, as três garotas, éramos bem próximas. Graças a nós, o papo fluiu bem. Eu diria que foi o primeiro passo para Taesung se enturmar. Fiquei grata por Felipe e Guilherme estarem sendo receptivos, apesar de tudo.
Em algum momento da conversa, meus olhos acabaram parando no vulto que nos observava ao longe. Como sempre, vestido de preto, Jae estava em uma mesa solitária perto da janela, nos encarando. Quando os olhos dele me encontraram, ele ficou me olhando por apenas dois segundos, e depois voltou a atenção calmamente para seu prato.
Era difícil não sentir pena dele.
JAE
quarta
20h16
Eu odeio que sintam pena de mim.
Confesso que, no momento atual, até eu estou com pena de mim mesmo. Eu preciso ficar de olho na Sunny, preciso continuar por perto, e isso faz eu parecer um psicopata.
É claro que eu ainda a amo loucamente, é claro que eu queria que ela não tivesse terminado comigo do absoluto nada, mas eu sei que isso não foi aleatório. Não é culpa dela.
Depois que desviei de Duda, precisei de quase um minuto para voltar a olhar, cautelosamente. Ela já tinha voltado a atenção para o grupo.
— Ai, que vida difícil, esses casais — Ana Laura jogou o prato dela ao lado do meu antes de se sentar.
— Você é sempre uma delicadeza — comentei, ironicamente, mantendo a voz baixa.
— Que isso, não seja tão pessimista, capitão. Nossa vida amorosa pode estar uma merda, mas podemos ser cupidos dos jovens desafortunados.
Franzi o cenho, sem entender aquele papo.
— Do que você tá falando, exatamente?
— Eu estou com um pouco de pena da Maya. Ela parecia bem jururu a viagem toda. Enquanto alguns casais têm a sorte de viajar no mesmo ônibus, ela está separada do Felipe. Como se namorar um garoto com problemas de personalidade não fosse castigo o suficiente.
Fiquei tentando entender aonde Ana Laura queria chegar, mas não demorei muito. Se ela estava querendo bancar o cupido…
— E você tem alguma ideia pra colocar os dois no mesmo ônibus, é isso?
— Claro, você não percebeu? Você tá viajando do lado do Felipe, e eu tô do lado da Maya. Basta que um de nós troque de lugar e a magia está feita.
Dei uma risada baixa do plano dela, que não fazia tanto sentido pra mim.
— E você acha que os professores vão deixar isso rolar de boa?
— Bom, me diga você. Você é o astro do Alfa, duvido que seria tão difícil convencê-lo.
— Com que desculpa? — perguntei, incrédulo.
— Aí que eu conto com a sua genialidade. Você conhece o treinador bem melhor que eu.
— Sei. E a Jaci não vai se importar? Não adianta convencer só um, já que os dois ônibus terão mudanças.
— A Jaci é bem tranquila. Ela vai deixar de boa, com certeza. O lance é convencer o Alfa, que é mais rigoroso.
Dei um suspiro.
— Ok, acho que eu consigo o Alfa. E você acha o quê? Eu vou pro vôlei ou você vem pro basquete?
— Depende. O que seria mais fácil pra conseguir uma desculpa?
De repente, tive uma ideia.
— Vamos deixar o Alfa decidir.
~
Eu e Ana Laura nos apressamos para terminar de comer e fomos para a mesa onde os professores responsáveis estavam reunidas.
— Com licença. Treinador Alfa, posso falar com o senhor um instante?
Alfa assentiu e se levantou. Ele nos acompanhou para um pouco mais afastado da mesa.
— O que foi? — perguntou ele.
— Eu e Nala queremos discutir algumas coisinhas de capitão durante a viagem. Estudar os adversários, propor táticas, você sabe.
— Coisinhas de capitão — disse ele, não parecendo muito convencido.
— É. Então pensamos da gente ficar no mesmo ônibus. Eu posso ir pro vôlei, ou ela vem pro ônibus do basquete.
— Os ônibus estão cheios, Youngjae — disse ele, parecendo gentil, de certa forma.
— Ah, nós já cuidamos disso. Nossos colegas de poltrona não se importam em mudar de ônibus.
— Ah, não? Quem está com você, Ana Laura? Não, não fala, deixa eu chutar: Maya Fujita.
— É ela mesma — disse Ana Laura, com toda sua espontaneidade.
— Claro. Só mais uma pergunta: o que Jaci acha disso?
— Ainda não perguntei, mas acho que ela não vai se importar — ela disse. — Muito menos se o senhor já tiver concordado.
— Imagino que sim. Bom… Eu vou fingir engoli essa história de conversinha dos capitães, e que isso não é uma manobra para outra coisa. Jae, como você é muito responsável, pode ir pro ônibus dos times de vôlei, e deixe a senhorita Fujita sob minha supervisão, juntamente com o namorado dela. Até porque, sinceramente… Eu estou bem acostumado a essas viagens, e estar no assento ao lado é a menos pior coisa que pode acontecer.
Eu e Ana Laura nos entreolhamos, compartilhando a mesma reação. Um misto de felicidade pelo aval, mas nervoso por termos sido descobertos.
— Eu espero que eu não me arrependa dessa decisão — disse Alfa, estreitando os olhos com um sorriso esboçado. Algo me dizia que ele também tinha compaixão pelo relacionamento conturbado de Maya e Felipe. — Comuniquem a Jaci e a Maya.
— Pode deixar, senhor — disse Ana Laura. — Somos muito gratos.
Ela segurou meu braço e me puxou para longe dali, mais especificamente para a mesa onde os seis estavam. Imediatamente, eu comecei a ficar completamente nervoso, e meu instinto protetor me puxou para trás, mas eu consegui me controlar.
— Vai você — eu disse, baixo.
— Deixa de bobagem, Jae — disse ela, sem sequer cogitar me deixar para trás. Só que, de repente, ela se colocou à minha frente, parando para falar bem baixo. — Ou você não acha legal que sua ex saiba que você vai ter uma companhia feminina pelo resto da viagem?
Eu engoli em seco. Não era do meu interesse que Sunny sentisse ciúmes, e eu não estava fazendo nada daquilo com tal intenção. Eu só queria dar mais uma chance pro meu amigo ficar de boa com a namorada dele, então me agarrei nesse pensamento.
— Vamos logo com isso — eu disse, e continuamos a andar.
Quando fizemos isso, notei que alguns da mesa já estavam olhando para nós, Sunny inclusa.
— E aí, pessoal? — disse Ana Laura, toda animada. — Jantar divertido? Não se preocupem, não vamos atrapalhar. Só viemos trazer uma proposta para os pombinhos engaiolados — ela se posicionou entre Felipe e Maya, mantendo-se atrás, e colocou as mãos nos ombros deles. — Nós conseguimos barganhar uma troca para Maya ir com Felipe no ônibus do basquete pelo resto da viagem.
Imediatamente, as expressões dos dois se iluminaram, o que me fez sentir que aquilo tinha valido a pena. Uma ponta de sorriso pode ter aparecido no lado esquerdo do meu rosto.
— É sério mesmo? — perguntou Felipe.
— É sim, o Alfa já autorizou — eu disse.
— Nossa, cara, eu nem sei como agradecer — disse ele, todo risonho.
— Com certeza — disse Maya, que também estava radiante. — Bom, valeu, gente.
— E é só isso — disse Ana Laura, se afastando. — Tenham uma boa noite! — ela colocou um tom sugestivo na voz enquanto vinha para perto de mim.
Seguimos andando de volta para nossa mesa.
FELIPE
quarta
21h27
Eu e Maya caminhamos juntos para o ônibus do basquete. Admito que eu estava um pouco nervoso. Metade por ser uma situação nova, metade por medo de que Vermelho fizesse alguma gracinha.
Fui na frente e segui para o mesmo lugar onde estava antes, que era bem no começo, já que estava dividindo com o capitão do time. Indiquei para Maya e a deixei entrar primeiro, evitando ficar na janela (e, também, sendo um cavalheiro).
Vermelho não apareceu no reflexo do vidro, mas eu esbarrei com outro obstáculo.
— Parece que temos visita — comentou um dos colegas de time.
Logo, todos os outros começaram a soltar piadinhas. Talvez eu tenha corado um pouco, mas não durou muito. Quando pisquei, eu já estava no reflexo.
— Parem de palhaçadinha, seus idiotas — disse Vermelho, com seu melhor tom de autoridade. Parecia até o Alfa falando. — O Jae não vai seguir viagem com a gente, então já sabem quem está no comando.
Todo mundo ficou quieto, como se, de repente, tivessem perdido o interesse.
— Acho bom mesmo, obrigado.
Vermelho se sentou ao lado de Maya; assim que fez isso, eu voltei para o meu corpo. Levei alguns segundos assimilando a situação.
— Tudo bem? — perguntou Maya.
Olhei para ela, ficando imediatamente feliz por ela estar ali comigo.
— Claro. Tudo bem.
— Já podem fechar a cortina — disse Vermelho, no reflexo. Nós dois o encaramos.
— Tem certeza? — perguntou Maya.
— Acha mesmo que eu quero ficar de vela? Tá de boa, é sério.
Dito isso, Maya fechou a cortina cuidadosamente. Colocamos os cintos de segurança. Então, ela se aconchegou em mim. Fiquei bastante tenso, mas a abracei.
As horas seguintes seriam maravilhosas.
SUNNY
quarta
23h12
Chegamos ao hotel pouco depois das onze da noite. Os professores tentaram manter a ordem no curto caminho entre as portas dos ônibus e a entrada do hotel. Em pouco tempo, o saguão estava cheio de adolescentes barulhentos.
Como uma das líderes, eu tive que ir em busca das chaves dos quartos. Eu recebi um conjunto de chaves que correspondia aos quartos do meu time. Assim que consegui, puxei o bonde para os elevadores.
— Atenção, cheerleaders, vamos para o 8º andar!
Todos os meus colegas me seguiram, entrando em grupos nos elevadores. Rapidamente chegamos ao 8º andar.
Os novatos se surpreenderam com a amplitude do local. Em vez de um corredor apertado, ele tinha um novo saguão, quase tão amplo quanto o da recepção, onde havia alguns espaços de convivência. Ao redor, havia os vários quartos.
Eu os guiei para a área onde ficavam os quartos cujas chaves eu tinha em mãos. Fui distribuindo as chaves para grupos de quatro pessoas do mesmo sexo.
— Não podemos mesmo ficar juntos? — Taesung sussurrou no caminho entre um quarto e outro. Eu tive que esconder um sorriso.
— Conhece as regras. Os únicos que podem escolher são os alunos não-binários, o que não é o seu caso.
Abri o próximo quarto.
— Aqui, quatro meninos. Hyujoon, Hokwon, Jihyung e Taesung.
Ele deu um suspiro, embora estivesse sorrindo, e entrou no quarto atrás dos seus comparsas.
Depois de dividir todos os quartos, inclusive o meu, eu chamei a atenção de todo mundo.
— Galera, a primeira noite pode ser incrível, mas sugiro que descansem. Amanhã já começam as competições.
MAYA
sábado
8h10
Eu acredito que vocês não estão interessados nos perrengues que passamos nos dois primeiros dias de evento. Houve a cerimônia de abertura, que foi algo bem entediante. Depois, começaram os jogos. Cada modalidade classificou um total de oito times, e a competição era no estilo mata-mata. Dessa forma, ao longo dos quatro dias, cada time tem que passar por até três jogos, tendo apenas um dia de folga total. No restante do tempo, pudemos assistir jogos de outros times (ou qualquer outra coisa). Dessa forma, já no sábado aconteceriam algumas finais.
A Drim era conhecida por ser muito boa em esportes e levar vários títulos para casa, e isso deveria me deixar confiante, mas o vôlei não estava incluso nessa estatística. Os times de vôlei eram bons, mas não tanto quanto os outros. Por isso, mesmo tendo chegado na final com algum aperto, eu não estava tão confiante.
Nossa final aconteceria naquela manhã, às 8h30. Estávamos, portanto, já na concentração. Eu estava bem nervosa, mas Nala tentou me acalmar.
— Maya, não se preocupe — disse ela, ao se colocar repentinamente na minha frente. — Não estamos tentando salvar o mundo aqui. Vamos dar nosso melhor, e se ganharmos, vai ser ótimo, mas, se não ganharmos… tudo bem também.
Me permiti um sorriso, embora ainda não estivesse menos nervosa.
— Que discurso diferente pra uma capitã.
Ela deu de ombros.
— É só um campeonato universitário. Isso é uma atividade complementar. E não se esqueça, hoje tem a festa da vitória.
— Mesmo se a gente não ganhar?
— Exatamente! Até porque, eu acho mesmo que os cheerleaders vão ganhar, então comemoramos do mesmo jeito.
Pouco mais tarde, entramos na quadra.
Vou poupar vocês de detalhes técnicos: resumidamente, jogamos muito bem, mas não fomos melhores que o outro time, então perdemos. Ainda assim, o jogo foi divertido, e o time permaneceu unido. Então, foi uma boa derrota.
Ana Laura bateu as duas mãos comigo.
— É isso aí. Missão cumprida! Vamos nos adiantar. Temos que assistir à final do cheer.
DUDA
sábado
14h25
Eu fiquei bastante entediada ao longo dos dias. Claro que havia outras atividades, mas a proposta era assistir aos jogos de outros times. Acontece que eu não entendo nada da maioria dos esportes. Digo, eu até entendo, mas acabo me perdendo por desinteresse. A grande exceção, realmente, era o cheer. Cada competição era um verdadeiro espetáculo.
Mais uma vez, coloquei o moletom dos dragões por cima da blusa e desenhei uma chama roxa na bochecha. Guilherme não estava muito diferente. Chegamos cedo para encontrar bons lugares na arquibancada. Para minha surpresa, Maya e Felipe chegaram juntos para assistir, e ficaram conosco.
— Então, grande final! — comentou Maya.
— Eu acho que eles vão arrasar — disse Guilherme. — Esse time é muito bom, mesmo.
O outro time se apresentou primeiro. Eles até que eram bons, mas não tanto quanto o nosso time.
Finalmente, os dragões entraram. Sunny veio na frente com aquele sorriso enorme e postura impecável, parecia estar literalmente brilhando. Ela e os demais acenaram alegremente para a câmera e se prepararam para o grito de guerra. Durante o mesmo, fizeram algumas acrobacias simples e levantaram placas dos dragões.
Por fim, prepararam as posições iniciais. A música começou a tocar, animada e cheia de efeitos. Eles fizeram diversas acrobacias, saltos, coreografias. Sunny era a estrela do time, e o Taesung não saia de perto dela. Em determinado momento, ele foi a única base dela. Eram uma boa dupla.
Meus olhos se desviaram para Jae. Ele estava lá embaixo, de pé, apoiado na grade que separava a arquibancada da quadra. Estava bem triste, praticamente imóvel, mas prestava atenção em tudo. Eu não entendia por que ele se torturava assim.
— Se o Jae continuar desse jeito — disse Guilherme, pelo visto notando minha distração — não vai ter torcida que levante a moral do time para a grande final.
— Eu vou falar com ele — disse Felipe.
— Espera a apresentação acabar, é rapidinho — sugeriu Maya.
Realmente, já estavam indo para os momentos finais. Depois de várias elevações complexas, estavam começando a montar a grande pirâmide de encerramento. Eram várias elevações conectadas, e algumas flyers subiram nas conexões. Era incrível como as bases podiam aguentar tanto peso e as flyers serem tão equilibradas. A pirâmide ficou linda e a rotina terminou.
Nos levantamos e fizemos muito barulho, aplaudindo e gritando. A galera da Drim começou a puxar o coro torcendo pelos dragões.
Jae começou a ir embora. Eu cutuquei Felipe.
— Você vai?
— Ah, claro.
FELIPE
sábado
15h10
— Ei, mano — eu disse, assim que o alcancei. — Tá de boa?
— Claro, por que não estaria? — perguntou ele, sem muita empolgação.
Sem querer, olhei para a quadra, onde os cheerleaders estavam se abraçando e comemorando o sucesso da apresentação.
— Você precisava ter vindo? Não acho que ver isso faça bem pra você.
— Eu tô de boa, Felipe. Não se preocupa com isso. Mas, se quer saber, sim, eu precisava ter vindo. Preciso ficar de olho nela.
— Por quê? — perguntei, confuso. — Ela é sua ex-namorada. Você não tem nenhuma obrigação de cuidar dela.
Ele deu um suspiro, olhando para o casalzinho ternura, que, obviamente, estava de chamego bem no meio da quadra.
— Até porque ela tem quem cuide dela agora, não é?
— Ah, Jae… — eu murmurei, lamentando o fato de estar piorando tudo.
Ele voltou a olhar para mim, tentando recuperar sua confiança.
— Desencana. Temos que manter a cabeça no jogo. — Ele começou a se virar para ir embora. — Eu vou me preparar.
— Claro. Eu já vou também.
Ele assentiu e foi embora.
Olhei para a arquibancada, onde os três ainda estavam. Corri para perto deles.
— Acho que não vou ficar pra ver o resultado — eu disse. — Tenho que me concentrar pra minha final. Me mandem mensagem assim que sair, ok?
— Claro, pode deixar — disse Maya.
— Boa sorte, cara — disse Guilherme. — Tenho certeza de que vão ganhar.
Eu assenti e saí.
Com um pouco de empenho, consegui alcançar Jae antes que ele saísse da quadra. Nossa final seria em outra quadra daquele mesmo complexo, então fomos andando até lá.
— Não precisava me seguir — disse ele. — Você ainda está em tempo.
— Não sei, não. Eu tenho duas mentes para concentrar.
Ele conseguiu abrir um sorriso, o que foi ótimo.
— É verdade. Como está o Vermelho?
— Confiante. Ele acha que vai carregar o jogo nas costas.
— Eu tenho certeza — corrigiu ele. A voz veio do meu bolso do casaco, onde estava o pequeno espelho que eu vinha carregando para me comunicar melhor com ele, desde que as coisas começaram a ficar mais pacíficas entre nós.
— Isso é bom, mas toma cuidado — disse Jae, com toda sua sabedoria. — Você precisa ser inteligente e alternar com o Felipe nos melhores momentos. Exatamente como na coreografia da festa.
— Relaxa, capitão, nós temos tudo sob controle — disse Vermelho. — A única coisa capaz de nos tirar do sério se chama Maya Fujita, e ela não vai estar na quadra.
— Só na arquibancada — disse Jae, um pouco preocupado.
— De longe, ela não atrapalha — garantiu Vermelho. — O problema é que ela é grudenta demais.
Revirei os olhos.
— Ela é minha namorada.
— Mas não é a minha — enfatizou ele.
— Crianças, briguem depois — disse Jae, parecendo cansado, enquanto entrávamos no vestiário. — Hoje temos uma grande missão a cumprir. Vamos manter a mente no jogo.
— Isso aí! — disse um de nossos colegas. Alguns já estavam por lá. — Manter a mente no jogo!
— Vai ter discurso do capitão? — perguntou outro.
— Vai, mas não agora — disse Jae. — Temos que esperar os outros chegarem, colocar os uniformes e aquecer. O discurso é a última coisa.
Recebi uma notificação de Maya.
MAYA: Os Dragões venceram!
Abri um sorriso.
— Hoje vai ser incrível — disse um terceiro colega. — E, como é a final, as líderes de torcida vão estar lá para nos motivar.
Jae ficou imediatamente tenso, como era de se esperar.
— Junto com todos os outros dragões — eu acrescentei. — Jogadores de todas as modalidades vão nos assistir e torcer por nós.
— Claro, ninguém quer perder a final do basquete — disse outro colega.
— Chega de conversinha — disse Jae. — Vamos nos preparar logo.
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