top of page

EP. 12. FESTA DE JUNHO PT.3 - FINAL

SUNNY

sexta

20h22


Subi as escadas para o palco com certa pressa. Guilherme estava lá em cima, junto com os técnicos de som.

— Está tudo pronto? — perguntei.

Guilherme olhou para mim, parecendo um pouco nervoso, mas confiante.

— Tudo encaminhado — ele corrigiu. — Todos os competidores já checaram as músicas e estão na concentração.

— E os neckmics?

— Estão terminando de configurar, e vamos levar pra eles.

— Tudo bem.

— Você já cuidou das luzes?

Abri um sorriso de “você sabe com quem está falando?”.

— Claro que já. Vai ser tudo perfeito.

Caminhei cuidadosamente até a extremidade de trás do palco, observando lá embaixo os seis casais. Cada um com sua cor, representando a respectiva equipe. Escondi um sorriso ao ver Taesung.

— Neckmics prontos — disse um dos técnicos.

Voltei para perto da mesa de som. Àquela altura, já haviam rolado algumas apresentações, introduzidas sempre por mim e Guilherme, então já estávamos com nossos neckmics. Os neckmics são cordões com uma conta tecnomágica que amplificam o som para todo o ambiente. Os nossos eram pretos, mas o técnico me ofereceu uma coleção com doze neckmics nas cores dos times. Eu peguei metade, e Guilherme pegou a outra.

Descemos as escadas para o palco e começamos a distribuir entre os competidores.

— Então, a ordem da apresentação já foi passada a vocês, certo? — perguntei, e eles confirmaram. — Vocês podem usar todo o espaço delimitado, os jurados estarão no centro. Não deixem isso pressionar vocês, é claro. Vamos começar em breve. Vocês já podem se posicionar à esquerda da área de dança, e vão conseguir assistir às apresentações. Boa sorte a todos.

Depois de checar que estava tudo bem, eu e Guilherme voltamos para o palco. O técnico abaixou um pouco o som ambiente e eu ativei meu neckmic.

— E aí, animados pra mais dança? — perguntei, e o público fez barulho.

— Antes de continuarmos nossa festa, temos um rápido anúncio a fazer — disse Guilherme. — A diretoria nos pediu para avisar que, muito em breve, teremos uma nova festa, muito especial: o Baile Mistério.

As luzes mudaram, ficando roxas e escuras. Todo mundo olhou ao redor, prestando atenção.

— Não podemos falar muito sobre a festa, até porque nós também não sabemos — eu contei. — Tudo o que sabemos é que o Baile Mistério é a festa mais importante desse ano, rodeada de segredos e só para convidados especiais.

— Será que você vai ser convidado? — Guilherme deixou a pergunta no ar.

As luzes voltaram ao tom natural. 

— Agora sim — eu retomei, — nós vamos começar uma das atrações mais aguardadas da noite, a Batalha dos Reis e Rainhas!

Os aplausos foram ainda mais intensos.

— Para começar, — anunciei — representando a equipe Citrina, Ricardo Serra e Anax Morita.

A torcida da Citrina foi à loucura enquanto os dois caminhavam até o centro do palco. Ricardo era um dominense bem metido e em nada combinava com Anax, uma miraiana bem doce. A apresentação deles foi uma graça, mas nada demais.

As apresentações foram seguindo, e eu e Guilherme nos alternamos para apresentar. Ele anunciou a dupla da equipe Fluorita. Em seguida, olhei novamente meu cartão, para checar que eu estaria anunciando aqueles dois.

— Agora, para fazer a performance pelo time Morganita, recebam Taesung Kim e Maya Fujita!



MAYA

sexta

20h34


Quando ouvi meu nome ser anunciado e nossos colegas de equipe fazerem barulho lá na frente, foi o momento em que fiquei realmente nervosa. A despeito disso, Taesung segurou minha mão e me conduziu naturalmente por uma passagem entre o palco e a área de apresentação.

Eu me posicionei no meu lugar, bem no meio, enquanto Taesung ficou um pouco atrás. A quadra estava iluminada com foco no que era nosso palco, e aquela luz me deixava um pouco confusa. Tive medo de não saber o que fazer.

Apesar disso, quando o instrumental de “There’s Nothing Holding Me Back” começou a tocar, eu soube exatamente o que fazer. Meus ombros se mexeram naturalmente no ritmo do violão. Logo, eu comecei a cantar.

A coreografia começava com movimentos suaves, seguindo a intensidade da música. Já na segunda estrofe, Taesung começou a cantar comigo enquanto andava até mim.

Nossa coreografia era suave e fluida, mas eu não a chamaria de fácil. Ela envolvia muita sincronia, tanto entre nós quanto com a música. A intensidade dos movimentos sempre acompanhando o ritmo, o que nos dava momentos de respiro onde dava para focar na atuação e no canto, mas o refrão tornava tudo mais emocionante. Eu tive medo de errar, mas consegui seguir firme. No segundo refrão, cada um solava metade dele, e a coreografia seguia isso.

Nos intervalos, conseguíamos apenas dançar e até aproveitar um pouco. Dançar com Taesung era uma experiência envolvente e divertida. Eu conseguia rir só de estar com ele, que era um figurão. O incrível era que eu não conseguia vê-lo como um interesse romântico, sequer cogitar isso ou achá-lo bonito. Ele era um amigo, minha dupla, e era uma boa sensação. Um bonito sentimento.

O final da coreografia era a parte mais intensa, incluindo alguns giros e saltos que me preocupavam, mas tivemos tempo para treinar bastante. O fato de Taesung ser base no cheerleading ajudava bastante. Conseguimos finalizar nossa apresentação com êxito e nos abraçamos durante os aplausos.

Depois disso, voltamos para a concentração.



DUDA

sexta

20h39


Enquanto aplaudia, olhei para o parceiro ao meu lado. Conforme o combinado, era Vermelho quem estava ali. Ele estava aplaudindo, mas não parecia nada feliz. Muito pelo contrário, ele parecia estar se segurando para não socar alguém.

— Tá tudo bem? — perguntei, preocupada.

Ele se forçou a aliviar a expressão e olhar para mim.

— Claro que sim. É a nossa vez. E nós vamos esmagar.

Ergui as sobrancelhas.

— Ei, não é pra tanto.

— Não se preocupe, Duda. Eu estou do jeito que eu preciso estar.

— A próxima performance — ouvi a voz de Guilherme e olhei para o palco. — É do time Amazonita. Hoje, ele será representado por Felipe Rider e Eduarda Machado!

Inevitavelmente, ele olhou para mim ao falar meu nome, e seu sorriso me transmitiu o pouco de confiança que faltava. 

Passamos por Taesung e Maya, que tinham acabado de chegar. Maya me disse “Boa sorte” com um sorriso gentil, e Taesung também parecia contente, mas Vermelho passou por ele com uma cara tão amarrada que deixou o menino sem graça. Dei meu melhor para expressar “não liguem, ele é assim mesmo” ao passar por eles, e fomos para o palco.

Nos posicionamos um ao lado do outro, com uma distância de um metro e meio, mais ou menos.

Nosso remix começava com um efeito sonoro de uma moeda sendo colocada em um jukebox, e eu atuei essa parte. Logo em seguida, começamos a dançar ao som do instrumental de uma versão bem rock de “You’re The One That I Want”, do filme Grease. Nossa coreografia foi bem ritmada, mas com um leve bounce, bebendo do estilo dos anos 80.

Vermelho começou a cantar com vocais poderosos e uma dança eletrizante. Eu fiquei acompanhando, seguindo o ritmo, até a próxima estrofe, que era comigo. No intervalo instrumental, ele girou e Felipe assumiu o lugar para dançar comigo.

Na minha parte, eu cantei andando no mesmo ritmo, até chegar a ele e começar a conduzi-lo de costas. Depois, eu o puxei e exploramos um pouco o espaço, usando um pouco de interpretação. Os dois trocaram de novo, Felipe deixando Vermelho fazer a coreografia do refrão, que era cheia de energia e com passos mais elaborados.

Em mais um intervalo instrumental, eu o puxei para o lado direito, enquanto voltava a ser Felipe. Era a minha vez de cantar. Os passos dessa parte era mais de casal, passos que dependiam da nossa interação e contato.

Ele virou Vermelho de novo, e começou a andar de costas para o outro lado do palco, e eu o segui, pouco depois, segurei as lapelas dele e retomei os vocais por um tempo, virando-o para o outro lado. Essa parte era mais de atuação com vocais alternados, um respiro antes do próximo refrão.

Voltamos ao meio para fazê-lo. Dessa vez, foi Felipe quem dançou o refrão comigo. Depois, fizemos um break, durante o qual Felipe se manteve. A música ainda era o refrão, mas a coreografia era mais simples. Por fim, Vermelho veio para o último refrão, com muito mais energia e, como posso dizer? Festa. Estávamos em pose de valsa, porém indo bem mais rápido, mais longe e mais alto nos saltos, usando todo o espaço disponível. Eu gastei toda a minha energia com esse final, e acho que Vermelho pode ter exagerado um pouquinho.

Ainda bem que tinha os aplausos, porque precisamos recuperar um pouco de fôlego antes de voltar para a concentração.

A próxima apresentação já estava começando quando eu consegui estar estabilizada o suficiente para falar.

— Mandamos bem?

Ele virou um pouco o rosto, parecendo novamente conter aquela irritação.

— Mandamos muito bem. Fomos excelentes, provavelmente os melhores da noite… mas não vamos ganhar.

Eu o encarei, confusa.

— Por que acha isso?

Vermelho não respondeu, mas, logo depois, Jae chegou perto da gente. Os dois estavam com as mesmas caras de insatisfação, pareciam irmãos gêmeos. Vermelho olhou para Jae.

— Ele fez o que eu acho que ele fez? — perguntou ele, tentando se manter calmo.

Jae deu um suspiro sereno.

— É, ele fez.

— Do que vocês estão falando? — perguntei.

Jae olhou para mim.

— O Taesung trapaceou.

Não consegui evitar. Olhei para onde ele estava, perto de Maya. Os dois assistiam com empolgação à penúltima apresentação. Era inimaginável que pudessem fazer algo assim.

Quando as apresentações acabaram, Sunny fez os anúncios finais. Guilherme não estava mais no palco.

— Essa foi nossa Batalha! Os jurados vão avaliar e, mais tarde, revelaremos quem são o Rei e a Rainha da noite! Por enquanto, continuem curtindo a Festa de Junho!

Logo em seguida, a música ambiente foi retomada e o público começou a se dispersar.

— Tô morrendo de fome, vamos comer alguma coisa — consegui ouvir Taesung falando com Maya quando passaram atrás de nós.

Senti Vermelho inspirar fundo, e então, foi atrás deles.

— Vermelho, segura a onda! — a voz de Felipe veio de um dos fragmentos de espelho, mas já era tarde demais.

Vermelho se apressou um pouco para alcançar Taesung. Primeiramente, ele o puxou pelo ombro, fazendo-o se virar para ele; depois, segurou as lapelas do casaco dele, puxando-o pra perto com força. Ao mesmo tempo, todos em volta se alarmaram, inclusive Jae, que partiu para tentar separá-los.

— Como consegue ser tão cara de pau a ponto de hipnotizar os jurados? — gritou Vermelho. — Como pode jogar tão sujo assim?

No primeiro momento, Taesung ficou muito assustado, mas logo franziu o cenho, parecendo disposto a enfrentá-lo.

— Olha só quem fala! Você também mexeu seus pauzinhos!

Nesse momento, Jae conseguiu puxar Vermelho um pouco para longe, enquanto outras pessoas começavam a segurar os dois, mantendo-os com alguma distância.

— É um recurso artístico! — berrou Vermelho, parecendo indignado. Jae pareceu ter que se esforçar para segurá-lo. — Não muda nada na competição.

— Mas é contra as regras — explicou Taesung, parecendo ser decepcionado. — Competem duas pessoas, um garoto e uma garota. Você competiu em três.

— Com apenas dois corpos. E eu não manipulei o resultado!

— Chega, vocês dois! — disse Guilherme, aparecendo entre eles. Então, se voltou para Vermelho. — É uma acusação muito séria.

Vermelho abriu um sorriso de satisfação.

— Bom, ele não negou. A defesa dele foi me acusar de volta! Isso não é praticamente uma confissão?

A essa altura, os dois ainda estavam irritados, mas não o suficiente para tentarem se soltar, então os que estavam segurando começaram a relaxar.

O olhar de Guilherme foi para Taesung.

— Você realmente fez isso?

Taesung pareceu um pouco nervoso, mas, depois de alguns segundos, conseguiu sua desculpa.

— Eu faço naturalmente. É um recurso artístico que eu uso desde sempre.

— Uau, desde sempre um corrupto — disse Vermelho. Logo depois, ele tremeu, e eu sabia o que significava. Tinha sido a gota d’água para Felipe.

— Eu vou precisar avaliar a situação — disse Guilherme, falando com Taesung. — Mas é quase certo que eu precise desclassificar você.

As pessoas em volta emitiram sons de surpresa. Taesung pareceu bem irritado, mas conseguiu se conter.

— E quanto a ele? — perguntou. — Vermelho e Felipe participaram juntos da competição, propositalmente. Isso é contra as regras.

O olhar de Guilherme se voltou para Felipe, que estava com sua carinha inocente de sempre. Não por acaso, o olhar dele também passou por mim. Eu conseguia ver na expressão de Guilherme que ele não queria me desclassificar, mas temia precisar fazer isso.

— Eu não sei exatamente como as regras se aplicam a eles — disse Guilherme. — Vou precisar consultar a organização. Sobre os dois casos. — Guilherme começou a alternar o olhar entre os dois. — Enquanto isso, preciso que parem de tentar se matar. Isso aqui é uma festa e deu muito trabalho para preparar, então não estraguem.

Guilherme deu mais dois olhares ameaçadores para os dois, e saiu de perto.

— Me desculpa — disse Felipe a Taesung, mas ele logo se virou, seguindo para onde estava indo antes.

Maya, no entanto, ficou para trás, encarando Felipe. Ela estava tão em choque.

— Não devia ter pedido desculpa — disse ela. — Se ele realmente fez isso, ele está errado.

— Eu sei disso — explicou ele. — Não pedi desculpa por dedurar. Pedi desculpa porque… Vermelho é um pouco explosivo.

— Ei, eu tô bem aqui — disse ele, no espelho.

— Você é um idiota — disse Felipe, parecendo cansado. — Não pode resolver as coisas dessa maneira.

Vermelho não respondeu, e Felipe começou a andar calmamente em direção a qualquer lugar longe dali. Maya o seguiu, checando antes se era bem-vinda, mas ele a aceitou bem, o que foi um alívio. Eu olhei para o reflexo no espelho, e ele me encarou enquanto sumia.



SUNNY

sexta

21h27


Eu estava em choque.

Agradeci mentalmente a Guilherme por estar levando a situação, porque eu não sabia se conseguiria. 

Estávamos atrás do palco com os três professores que eram jurados e alguns membros da Comissão Organizadora, além da minha mãe e do supervisor Kim. Guilherme estava explicando os dois possíveis casos de trapaça.

— Temos que analisar cada situação em separado — disse Kathleen, uma das juradas que era diretora de artes manuais no Conselho da universidade. — O caso do menino que pode ter nos hipnotizado parece muito sério.

— E é muito sério — disse o supervisor Kim. — Não é de hoje que esse aluno me causa problemas com essas “influências acidentais”.

— Que tal olharmos as notas? — sugeriu minha mãe. — Se as notas dele estiverem muito boas, pode ser um sinal de que ele manipulou vocês.

Os três jurados entregaram as pastas à minha mãe, que abriu e começou a analisar pasta por pasta. Enquanto isso, eu fiquei torcendo.

— É, não tem nem como defender… Discrepantemente altas.

— Mas se ele fez sem querer — não consegui segurar a defesa, mas já era tarde demais. — Talvez a gente deva apenas diminuir as notas.

Talvez por sorte, ninguém além de Guilherme sabia do meu caso com Taesung, então minha tentativa de passar pano não pegaria tão mal.

— Não temos como saber se foi sem querer — disse o treinador Alfa, que estava na Comissão e no Conselho. — E mesmo que tenha sido, está claramente atrapalhando a avaliação justa. Infelizmente, o mais correto a se fazer é desclassificar, na minha opinião.

— Eu concordo — disse minha mãe, fechando as pastas. — E quanto ao outro garoto?

— Como eu disse, é um caso delicado — disse Guilherme. — Não temos regras sobre como um aluno com esse tipo de poder deve agir, mesmo em provas e esportes.

— Como é o controle? Algum de vocês sabe?

— Pelo que eu sei… — contou Guilherme. — Geralmente é muito espontâneo, mas ele está aprendendo a controlar. Os ensaios devem ter ajudado nisso, inclusive.

— Algum dos jurados percebeu alguma mudança? — perguntou minha mãe, mas todos eles negaram. — Se ele conseguiu transicionar durante a performance sem ser percebido, deve estar aprendendo a controlar. Isso é uma conquista, não?

— Diretora Hyeri… — protestou Kim, como sempre insuportável. — Tecnicamente competiram três pessoas, e não duas.

— Três pessoas, dois corpos — disse Kathleen. — Resta saber como vamos interpretar. O que conta na nossa regra é a quantidade de pessoas ou de corpos?

— A outra personalidade sequer está matriculada — disse Alfa. — Mas eu o conheço. Ele joga no time de basquete. Os dois jogam. E isso já foi um problema, mas tem melhorado. Olhem, tecnicamente, só temos um jogador por vez, então isso não conta como uma mudança no número de jogadores. Não é uma infração. Bom, não no esporte.

— Artisticamente, isso pode ser alguma coisa? — Minha mãe perguntou a Kathleen.

— Bom, são talentos diferentes, mas… O que conta é um conjunto da obra, eu acho.

Minha mãe suspirou.

— Então, acho que não há motivo para desclassificação. Ao menos por enquanto, mas seria bom ficarmos atentos a esse aluno. Você concorda, Sunny?

O questionamento da minha mãe me despertou para a realidade. Eu não tinha dado sequer um pio desde o incidente.

— Concordo, faz sentido sim — eu me esforcei para parecer natural. O olhar de Guilherme sobre mim, no entanto, me deixou claro que ele temia pela minha condição emocional.

— Resolvido, então — continuou minha mãe, antes de estender a pilha de pastas para nós. — Vocês dois cuidam disso?

— Claro, pode deixar, sra. Choi — disse Guilherme, pegando as pastas.

Os adultos começaram a se dispersar.

Eu e Guilherme subimos para o palco, ficando perto de uma mesa no canto que funcionava como nossa organização.

— Você quer falar sobre isso? — perguntou ele, parecendo mais interessado nas pastas.

— Não — eu disse. — Por enquanto não. Acho que, primeiro, quero ouvir o que ele tem a dizer.

Guilherme franziu os lábios, o que era um claro sinal de que ele não aprovava minha atitude, mas não diria nada.

Calculamos o resultado. Demorou um pouco, mas conseguimos a lista final.

— Eu vou só avisar aos dois da desclassificação. Depois, volto aqui e podemos anunciar. Espero que eu consiga passar um pouco de tempo com a Duda depois disso.

— Também não vejo a hora desse circo acabar — confessei.



DUDA

sexta

21h48


Eu estava com Felipe e Vermelho na barraca de crepes. Graças a um espelho que eu tinha pendurado naquela barraca, os dois estavam presentes e, por algum milagre, decidiram se revezar para aproveitar o sabor. Ao menos, eles não precisavam comer por dois para que o único estômago ficasse satisfeito.

De forma muito natural, Maya se aproximou de nós com um pratinho de churrasco.

— Deve estar quase na hora do resultado — disse ela, casualmente.

— Não tá animada?

Ela deu de ombros.

— Fomos desclassificados. 

Eu e Felipe olhamos para ela incrédulos. Logo depois, Felipe encarou o espelho, irritado.

— Porra, Vermelho. Precisava ter feito isso?

— Precisava — foi Maya quem respondeu, sem dar chance a Vermelho. — Ele fez certo. Se nós fomos desclassificados, teve algum motivo. 

— E quanto a nós? — perguntei, olhando para Felipe.

— Guilherme nos avisou diretamente — contou Maya. — Se ele não veio falar com vocês, devem estar no páreo.

— Acho que vão anunciar — disse Vermelho, no fragmento de espelho, enquanto Felipe deixava cair um pouco de frango em sua mordida atual. Todos nós olhamos para o palco, onde Sunny e Guilherme se aproximavam do centro com um papelzinho em mãos.

— E aí, Drim? — perguntou Sunny, fazendo sua voz ressoar, e todos se atentaram ao palco. — Estão prontos pra um dos momentos mais esperados?

— Finalmente temos o resultado da Batalha do Rei e da Rainha. Os vencedores ganharão o título de Rei e Rainha da Festa de Junho, com direito a coroação, e 50 pontos para seu time na gincana.

— Aliás, em seguida, ainda teremos o resultado da gincana! Qual equipe será que vai vencer?

— Agora, sem mais delongas, o resultado.

Os dois olharam o papel ao mesmo tempo, e falaram juntos.

— O Rei e a Rainha são… — pausa dramática. — Apecatu e Mortífera, da Cornalina!

Ok. Eu estava esperando ganhar? Talvez. Eu ficaria surpresa se ganhasse? Sim, também. Na verdade, qualquer resultado seria surpreendente, porque eu não sabia o que esperar. 

— O quê? — perguntou Maya, um pouco abismada, ao mesmo tempo em que começamos a aplaudir, assim como o restante do público. 

— Ah, eles foram bem! — disse Felipe, sem entender a reação de Maya. — Você tá surpresa?

— Eles foram bem, sim, mas… eu achei que, com a gente saindo, vocês ganhariam.

— Jeito sutil de dizer que somos piores que você — disse Vermelho, mas seu tom despretensioso deixou claro que era brincadeira.

— Nada a ver — defendeu-se Maya, ainda. — Achei que a briga estava entre nós quatro. Ou nós cinco.

— Ingênuo da sua parte — disse Jae, surgindo do absoluto nada. — Mortífera e Apecatu são veteranos, são um casal e ainda são atléticos. Eles costumam competir, mas acho que é a primeira vez que eles ficam no mesmo time, então… todo mundo meio que sabia que eles iriam ganhar.

— Isso explica a ausência de inscrições — eu murmurei.

— Então, essa palhaçada toda foi pra nada — concluiu Vermelho.

— Ah, qual é, cara — disse Felipe. — Vai dizer que você não se divertiu?

Vermelho olhou pra mim.

— Não, não, até que foi legal. Somente digamos que dançar não é meu passatempo favorito, muito menos na frente do campus todo.

— Bom, agora que a guerra acabou — disse Maya. — Eu espero poder dançar um pouco com meu namorado.

Felipe abriu o maior sorriso que conseguiu com a boca fechada por estar cheia. Ele terminou de mastigar e se pronunciou.

— Isso me deixaria muito feliz. Quer dizer, se meu bodymate me der esse vale night.

— Bom, você foi bem flexível nos últimos dias, então digamos que você merece.

Maya puxou Felipe pelo braço, mesmo sem ter finalizado seu milho, e os dois sumiram na multidão. Vermelho sumiu do reflexo.

Eu olhei para Jae, que parecia encolhido em seu canto enquanto observava o entorno. Meu plano era tentar achar Guilherme, mas eu sabia que ele não teria ninguém para fazê-lo companhia.

— Ei, Jae, você quer dançar um pouco?

Ele olhou para mim parecendo tão surpreso quanto seu estado abatido permitia.

— Eu?

— É, você.

— Mas… você não quer dançar com o Guile?

— Claro, mas ele deve estar ocupado ainda, e a noite é uma criança. Você gosta de dançar, não gosta?

Pela primeira vez em muito tempo, eu vi um sorriso ameaçar aparecer naquele rosto.

— Ah, até que gosto. Se me der essa honra…

— Então vamos — eu disse, antes de jogar os restos do meu lanche no lixo. Depois, Jae me ofereceu o braço e fomos a caminho do rebuliço.

Eu e Jae dançamos animadamente por alguns minutos, durante os quais ele pareceu se divertir. Aquilo me deu uma sensação muito boa. Fazer alguém feliz é sempre um bom sentimento, mas levar felicidade a alguém que estava vivendo dias tão sombrios era ainda mais especial.

Em algum momento, eu avistei Guilherme sozinho na distância, e ele parecia ainda mais feliz que nós. Na verdade, ele parecia agradecido, e eu sabia bem o porquê. Já tinha ouvido algumas vezes meu namorado desabafar do quando estava angustiado pela situação do seu amigo.



SUNNY

sexta

23h11


Depois de finalizar minhas tarefas na Festa de Junho, eu finalmente podia curti-la um pouco. Realizamos a coroação do Rei Apecatu e da Rainha Mortífera, e anunciamos a vitória do time Sodalita no placar geral da gincana. Depois disso, últimos ajustes e estávamos livres.

Ainda de cima do palco, eu tentei identificar onde estava Taesung. Com um pouco de esforço, eu o vi sentado na ponta da quadra, entre duas barracas mais afastadas. Tive que percorrer um longo caminho até chegar lá. Como ele não me notava facilmente, fiquei apenas observando-o por um tempo. Ele parecia triste e frustrado, e os motivos eram óbvios.

— Com licença, o senhor está sozinho? Aceitaria dançar com esta coitada?

De alguma forma, ele conseguiu erguer a cabeça e sorrir um pouco, mas dava pra ver que ainda estava mal.

— Claro que eu quero dançar com você — disse ele, se esforçando para se levantar.

Parte de mim queria perguntar como ele estava, mas… eu também queria receber essa pergunta. Não era fácil descobrir uma coisa daquelas.

Então, em vez disso, apenas segurei a mão dele e o puxei para onde a galera estava dançando. O clima entre nós estava estranho como nunca antes.

Ainda demorei alguns minutos para ter coragem de introduzir o assunto.

— Tae…

— Sim, senhora.

— Desculpe perguntar, mas… eu preciso saber isso. Você… realmente teve a intenção de…

— Hipnotizar os jurados? — perguntou ele, parecendo cansado. — Acha mesmo que eu faria isso de propósito?

— Bom, eu… não achava, até isso virar um tópico.

Ele me olhou com um olhar desafiador e divertido, que eu demorei para entender.

— Então, vamos lá. Supondo que eu tivesse feito de propósito, qual seria sua reação? Você desistiria de mim?

A pergunta me deixou um pouco sem chão. Eu não tinha pensado naquela possibilidade, preferi me enganar e me convencer de que era apenas um acidente. Agora, não sabia o que pensar. Não conseguia me imaginar me separando de Taesung assim; mas também não me imaginava estando ao lado de um trapaceiro.

— Eu não sei, sinceramente. Acho que… seria difícil confiar em você de novo, sabe?

— Sei. E você não estaria errada, Sunny. Confiar em alguém que já provou não ter caráter seria, no mínimo, ingenuidade. Eu não sei o que posso fazer para você acreditar em mim, mas tudo o que tenho é a minha palavra.

— Você quer tentar me explicar o que aconteceu? — perguntei gentilmente, tentando dar uma chance.

— É algo que eu faço naturalmente. Desde pequeno, eu exerço encanto natural em todos ao meu redor. Durante uma performance, isso pode se intensificar, porque estou dando meu melhor para agradar. Não estou tentando hipnotizar ninguém, mas… pode acontecer. Eu não sei controlar meu poder tão bem assim.

Eu fiquei pensando sobre isso. Fazia muito sentido, mas algo me preocupava.

— Eu acredito em você. Só que…

— O que foi?

Eu suspirei.

— O campeonato.

Taesung fechou os olhos, com uma leve careta de sofrimento. Ele já tinha entendido.

Estávamos nos aproximando do principal campeonato de atléticas universitárias do ano. Envolvia vários esportes, e os times viajavam para o local que sediaria a competição, ficando lá por uma semana.

— Se você não consegue controlar em uma competição…

— Não me tira do time, por favor — implorou ele, tentando manter o controle. — Eu quero muito ir.

— Mas o que eu posso fazer, Taesung?

— Me deixa na reserva, sei lá. Eu tenho me esforçado, tanto… Eu aceito não participar, mas se eu pudesse estar com vocês, torcendo, acompanhando…

— Aham, eu vou fingir que seu interesse é torcer pelo time, e não a viagem.

— Ah, é um misto de tudo. Essa é uma experiência gigante e incrível, eu nunca participei de nada assim. E fazer isso do seu lado seria um sonho.

Revirei os olhos com aquele sorriso bobo. O miserável sabia como me comprar.

— Você tá me hipnotizando por acaso?

Ele riu.

— Eu não preciso. Você cai no meu charme natural.

Eu ri também.

— Seu idiota. Como eu queria te beijar agora.

Ele escondeu um sorriso.

— Tá nas suas mãos.

Eu neguei com a cabeça.

— Ainda é cedo demais. Minha mãe tá aqui, talvez meu pai também.

— Ai, nem me fale. Que pressão pegar a filha da diretora e do ex-reitor. Mas isso me lembra que você tem certos privilégios.

Abri a boca com incredulidade.

— Também é cedo para um convite desses, mas agora eu tô falando de horário, mesmo. 

— Tudo bem, eu espero mais um pouquinho. Mas, se você quiser me dar uma dica se eu pelo menos tenho chances…

Eu dei mais uma risada.

— Que tal meia-noite?

Taesung abriu um sorriso travesso.

— Excelente horário. Combinado.


Posts recentes

Ver tudo
EP.1. RECEPÇÃO

As calouras Maya e Duda chegam à Drim University. Sunny está no segundo período e tenta convencê-las a serem líderes de torcida.

 
 
 
EP. 2. JOGO

Duda é convidada a fazer parte do time de e-sports da atlética Dragões e conhece o capitão, Guilherme.

 
 
 
EP.3. DUALIDADE

Maya descobre que Felipe e Vermelho são duas pessoas diferentes que habitam o mesmo corpo, e tenta aprender a lidar com eles.

 
 
 

Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
bottom of page