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EP. 10. FESTA DE JUNHO PT.1

DUDA

segunda

9h13


A quadra de recepção dos calouros não era o lugar onde eu imaginava estar àquela hora de segunda-feira. No entanto, além de mim, certa parte dos alunos estava lá. Um monte de gente reunida, conversando e se conhecendo.

Como no dia da recepção, havia um palco instalado, e todos estavam esperando para começar a atividade.

Estava chegando a Festa de Junho, uma comemoração tradicional do Drim University, que reunia especialmente os calouros, que eram maioria nas atividades, já que é novidade pra gente.

Depois de muito procurar alguém que eu conhecesse, não achei ninguém. Cheguei na quadra com a Maya, mas nos separamos para procurar os boys. Agora, eu não conseguia mais achá-la e não havia nem sinal de Guilherme, sendo que ele garantiu que participaria.

De repente, ouvimos o som chiado do neckmic.

— Atenção, galeras — ouvi uma voz conhecida, e olhei para o palco (que foi o que todo mundo fez).

Em poucos segundos, todos estavam quietos, olhando para o palco. Lá estava Sunny. E ao lado dela, adivinha? Guilherme Vilela.

— Então, pessoal — continuou ela. — Como vocês já devem saber, afinal, vieram até aqui… Acabamos de entrar no mês de junho, o que dá início às atividades da Festa de Junho. A festa é só no fim do mês, mas é um longo caminho até lá. Afinal, vai ser o mês inteiro jogando na Gincana de Junho!

Todo mundo começou a gritar muito. Sunny espero se acalmarem um pouco e continuou falando, ainda em meio a certo alvoroço.

— Antes de explicar a gincana, quero lembrar que, esse ano, ela será liderada por mim, Sunny, e pelo meu parceiro Guilherme. Quer dar um oi pra galera, Guilherme?

— Oi pra galera.

Todo mundo riu, inclusive eu. Senti que Guilherme seria mais operacional, porque já estava com um tipo de prancheta, enquanto Sunny lidava com o público.

— Vamos nos reunir aqui em horários variados, e vocês receberão o cronograma das atividades. Tem em todos os turnos para todo mundo poder participar e criar um revezamento dentro dos times. Gui, quer falar sobre os times?

— Claro. Vocês serão divididos aleatoriamente em seis times, representados por seis pedras preciosas: Sodalita, Citrina, Amazonita, Morganita, Cornalina e Fluorita. Ao longo das atividades, vocês vão acumular pontos para o seu time, e a grande decisão será na Festa de Junho, condecorando o time vencedor e também o rei e a rainha da festa.

Senti alguém tocando meu ombro. Olhei para trás e vi Maya e Felipe. Ela estava sorridente, parecendo feliz por tê-lo encontrado e depois retornado para perto de mim. Eu já tinha achado o meu namorado, mas de maneira diferente.

— A primeira coisa que vamos fazer hoje — continuou Sunny — vai ser dividir os times. Depois, vocês vão receber o cronograma de atividades e executar a primeira tarefa: criar o grito de guerra do time. — ela olhou pra Guilherme. — Tá na hora?

Ele assentiu, e olhou para nós.

— Tá na hora! O método é simples: é só estourarem uma bolha e saberão qual é seu time. Uma bolha por pessoa, não pode roubar, e também não pode trocar com o coleguinha.

— Mas cadê essas bolhas, Guilherme?

— Eu sugiro que vocês olhem para cima!

Obviamente, todo mundo olhou para o teto da quadra, onde uma rede segurava várias bolhas brancas do tamanho de bolas de handebol. A rede repentinamente sumiu e as bolhas começaram a cair levemente, se espalhando. 

As bolhas flutuavam com graça, como se fossem bolhas de sabão, mas eram opacas e leitosas, além de não terem estourado com a rede. Ou seja, eram bolhas mágicas.

Assim que elas se aproximaram, os mais apressados pularam para tentar pegar as suas bolhas. Ao mesmo tempo, elas pareciam fazer se próprio caminho, se dividindo de forma ordenada para parar uma em cada pessoa.

Dentre nós três, Maya foi a primeira a estourar sua bolha. Dela, caiu uma faixa rosa claro.

— Legal — disse ela, com um tom neutro. Senti que não tinha gostado nem desgostado. — Qual é o nome do time rosa?

— Não é rosita? — perguntou Felipe.

Maya fez uma careta pra ele.

— Não é assim que funciona. Será que vocês conseguem pegar a rosa também?

— Eu duvido — eu disse, avistando a bolha que se aproximava. — A chance é mínima.

Estourei a minha bolha, e caiu uma faixa verde claro. A segurei e mostrei para os dois.

— Verdita?

Eles riram um pouco.

— A sua tá vindo aí, Fel — disse Maya. — Tomara que seja rosa!

Felipe esperou um pouco a bolha chegar mais perto e a estourou. Caiu uma faixa da exata mesma cor que a minha.

— É… — disse ele. — Verdita. Tamo junto, Duda.

Fizemos um cumprimento de soquinho.

— O certo é Amazonita — disse Apecatu, aparecendo de repente entre nós, com uma faixa laranja já amarrada na cabeça. — Mas vocês se acostumam!

Logo depois, ele desapareceu.

— Queria que ele dissesse o nome da minha — disse Maya, olhando para a faixa.

— Olha, você também é Morganita! — disse alguém atrás dela. Olhamos para o dono da voz e vimos que era Taesung. Sem eufemismos, o novo affair da Sunny, mas poucas pessoas sabem disso. Ela nos contou na noite das garotas e pediu segredo.

— Ah, que bom que vai ter alguém que eu conheço na minha equipe! — disse Maya, aliviada.

— Vamos andando, acho que eles estão se reunindo daquele lado!

Ainda enquanto falava, Taesung segurou a mão de Maya e começou a levá-la para outro ponto da quadra. Felipe seguiu-os com o olhar, parecendo um pouco incomodado.

— Queria ter pegado Morganita — disse ele.

— Eu imagino. Mas não vai ser tão ruim ser minha dupla, vai?

Ele voltou a olhar para mim, e eu me assustei um pouco com os repentinos olhos vermelhos e a expressão maliciosa.

— De jeito nenhum. Vai ser maravilhoso ser sua dupla. É só que rosa é o que tem de mais perto da minha cor favorita por aqui.

“Droga”, eu pensei. Eu tinha ficado animada por estar no mesmo time que Felipe, mas tinha me esquecido que ele vinha com um mau-caráter de brinde. No entanto, eu entendi que o Destino tinha me colocado de frente para ele porque Vermelho precisava de alguém à sua altura. Alguém que o encarasse.

— Eu acho que você devia sumir — eu disse, friamente. — Isso é importante pra todo mundo. Você não pode estragar isso.

Ele ergueu as sobrancelhas, parecendo um pouco confuso.

— Estragar? Por que eu iria querer estragar? Eu também tenho o direito de jogar.

— Sob quais regras? — eu disse, um pouco alterada.

Ele ensaiou um sorriso.

— Para de agir como se me conhecesse, Eduarda — disse ele, com uma voz incrivelmente mansa. — Não sabe como isso me tira do sério.

Logo depois, os olhos dele piscaram e voltaram a ser verdes. Felipe assumiu uma expressão um pouco cansada, como se tivesse acabado de dar uma volta na quadra. Ele deu um suspiro rápido.

— Não entendo por que ele faz isso! — comentou ele, sem se deixar abalar. — Vamos, temos que achar a nossa equipe.

Ele se virou e começou a andar, e eu o segui. De repente, ele olhou pra mim, sem parar de andar.

— Ele disse algo de errado? — perguntou ele, preocupado.

— Não. E ele não vai conseguir me machucar. Você pode ficar tranquilo.

Ele sorriu. Continuamos o caminho para um grupo de pessoas com faixas verdes.

Entre eles, havia o que parecia uma líder, que era alguém que eu conhecia. Era uma das amigas da Sunny do cheerleading.

— Chegou mais gente — disse alguém perto dela, se referindo a nós e mais alguns.

— Ok, pessoal, sejam bem-vindos. O nome do nosso time é Amazonita. Eu sou a Minji e vou ser capitã de vocês. Já podem começar a pensar no nosso grito de guerra.



MAYA

segunda

9h40


— Vamos começar as apresentações dos gritos de guerra! — anunciou Sunny. — Seguindo a ordem padrão, vamos começar com o time Sodalita.

O grupo de pessoas com faixas azuis, já amarradas na cabeça, no braço, no punho ou no pescoço, se adiantou um pouco. Dentre eles, notei alguns conhecidos: Lognard, nosso colega do clube de jardinagem; Ana Laura, capitã do time de vôlei dos Dragões; Baekhye, o irmão de Sunny que era das Raposas. O grupo se preparou para gritar.

— Azul é a cor do céu, azul é a cor do mar, como a noite estrelada Sodalita vai brilhar!

Os demais grupos aplaudiram. Sunny anunciou o grupo seguinte: Citrina. Entre eles estavam a Raposa Valentina e dois miraianos que eu conhecia de vista, Rafael e Anax.

— Não há nada… que se compara! A Citrina já chegou e ninguém para!

O grupo seguinte a ser anunciado era Amazonita, o meu grupo. Além de Taesung, eu só conhecia de vista PJ, roomate de Guilherme. Ele era o capitão do time e puxou nosso grito de guerra.

— A floresta vai rugir, nossa gente vai gritar! Aaamazoniita! Vai te derrubar!

Gritar isso foi bem mais divertido do que pensei. Nossa galera comemorou e gargalhou enquanto Sunny anunciava o próximo time. Era a vez da Morganita.

De frente para nós, o time de Duda, Felipe e Minji se preparou.

— A mais queridinha do campus chegou, aqui é Morganita, você se lascou!

Eles começaram a aplaudir, enquanto Felipe me encarava com uma cara que parecia dizer “não entendi nada!”. Fui obrigada a rir. Também não vi sentido nenhum no grito de guerra da Morganita.

O próximo grupo foi o roxo. Ele estava sendo bem liderado pela minha capitã do time de vôlei, Ana Laura. Além dela, vi Raul, um miraiano, e Enrique, outro mauricinho das Raposas.

— O mundo acabou e nem deu pra ver! Fluorita vai engolir você!

Ri um pouco desse grito de guerra. Era difícil pegar algumas referências, mas essa era provavelmente em relação ao buraco negro.

Por último, foi a vez do time laranja.

— Chama que queima, faísca que ilumina, vou te incendiar, assinado: Cornalina!

Aplaudimos. Achei criativo o lance da assinatura.

— Todos os grupos estão de parabéns! Amei os gritos de guerra desse ano. Morganita, dá pra melhorar, mas a rosa é difícil mesmo. Se amanhã surgirem com uma ideia melhor, eu vou aceitar que troquem.

Sunny olhou para Guilherme, e ele continuou.

— Agora, eu vou encaminhar para os líderes os cronogramas de provas. Vocês podem analisar e começar a se dividir. Estou ansioso para começarmos os jogos!

— Hoje temos algumas coisas programadas que não requerem a participação de todos. Mas, de noite, teremos o épico pique-esconde, e eu realmente espero que todos deem um jeito de vir. Agora, estão a encargo dos capitães. Até a próxima prova!

Nos sentamos ao redor da pulseira de PJ, ali mesmo na quadra.

— Vamos lá, pessoal. Hoje à tarde, temos duas provas programadas. Corrida do ovo na colher e, um pouco mais tarde cabo de guerra. Precisamos de no mínimo quatro pessoas para a corrida e seis para o cabo de guerra, mas quem vier a mais vai ajudar na torcida. O que precisamos mais é à noite. Quanto mais melhor! 

— Eu posso só à tarde — disse alguém.

— Eu posso só em um dos dois turnos, qualquer um deles — disse outro.

— Melhor de noite, então!

— Mas se tiver menos gente à tarde…

— Gente, calma — disse PJ, se impondo um pouco. — Vamos dividir. Fiquem pra esquerda quem só pode à tarde, pra direita quem só pode à noite e no meio quem pode os dois, incluindo o indeciso ali.

Começamos a nos dividir. Eu geralmente tinha compromissos em todos os turnos, mas a gincana mudaria um pouco as coisas. Fiquei no meio, e Taesung também.

Depois de muita discussão, foi dada a prioridade do pessoal da tarde a quem só podia à tarde, e a maioria ficou no pique-esconde, incluindo eu.

Com isso, durante a tarde, eu consegui ficar um pouco na estufa, escapando de vez em quando para ver como estavam as atividades. Felipe fez o mesmo, então pudemos passar ao menos um tempo juntos.

— Que pena que não ficamos no mesmo time — eu disse.

— Não pense negativo — disse ele. — Pode ser a oportunidade de fazer novos amigos. Estou animado com o que Duda disse sobre ela dar um basta no Vermelho.

— Isso é bem a cara dela — admiti.

No fim da tarde, ele sugeriu que parássemos mais cedo que o normal.

— Vamos andando? — disse ele. — Temos que nos preparar para o pique-esconde.

— Isso parece emocionante — eu disse. — Um pique-esconde no campus inteiro, e à noite.

— É, é uma parada gigante. Eu já joguei, e gosto muito. Acho que você também vai gostar.



DUDA

segunda

18h30


— Hora do pique-esconde! — anunciou Guilherme, gritando, sendo seguido por uma sequência de aplausos.

Estávamos em um dos pátios mais centrais, iluminado por refletores no chão dos arredores, o que dava ao lugar um clima um pouco mais sombrio do que de costume. Além de toda a galera já agrupada pelas equipes, Sunny e Guilherme estavam em cima de um banco, cercados por alguns voluntários da gincana.

O pátio estava vazio, a não ser por dois cercadinhos formados por quatro postes de madeira improvisados e uma fita colorida ligando os mesmos. Eles estavam em extremidades opostas do pátio. Um era azul e o outro era amarelo.

— Então, vocês já devem ter notado as prisões — disse Sunny, reparando que muitos, assim como eu, estavam analisando os cercadinhos. — Para os calouros de plantão, vamos explicar que o nosso pique-esconde é um pouco diferente dos demais.

— Ok, primeira diferença: seis pessoas vão contar e procurar, uma de cada equipe. Os buscadores vão poder capturar escondidos de qualquer time, menos do seu, que são seus aliados, obviamente.

— Quando um buscador encontra um escondido, não tem nada de correria, já perdeu! O buscador leva os capturados pacificamente para a prisão que corresponde à equipe do buscador.

— Mas tem um porém! Qualquer escondido pode libertar os cativos de seu time da prisão, desde que não seja visto por nenhum buscador. Se for visto, todos voltam pra prisão.

— Agora, sobre a contagem de pontos. Cada prisioneiro conta vinte pontos a mais para o time detentor da prisão. A cada prisioneiro resgatado, esses pontos se dividem: dez para o time da prisão e dez para o time do fugitivo. A contagem é feita pelos fiscais voluntários da gincana, que ficarão de plantão nas prisões.

— A prisão Sodalita e a prisão Citrina estão aqui. As outras estão em pontos diferentes do campus, para tornar as coisas emocionantes. O ponto de partida de todos os escondidos é aqui, e o ponto de partida dos buscadores é em suas prisões.

— O jogo vai correr pelo tempo de uma hora, cronometrado. Ao fim do tempo, as sirenes irão tocar e a contagem será feita, criando um ranking. Esse ranking vai atribuir pontos para o ranking oficial da gincana. 50 pontos para a primeira equipe, 40 para a segunda e por aí vai.

— Alguma dúvida?

Alguns tiraram dúvidas, inclusive repetindo o que já havia sido dito. Era normal em um jogo tão diferente (ou não, já que eu já tinha entendido tudo). Surgiu só uma coisa que eu não tinha pensado.

— Pode se esconder em qualquer lugar? — perguntou Raul.

— Boa pergunta — disse Sunny. — A resposta é não. Nós temos uma área de jogo, demarcada pela fita listrada branca e preta no chão, mas a área é bem grande. Em geral. os espaços proibidos são as áreas administrativas, os dormitórios, os banheiros e a maioria das salas de aula. Mais alguma dúvida?

Depois de mais algumas perguntas idiotas, o silêncio reinou.

— Agora, — continuou Sunny — já que todo mundo entendeu, podem discutir para decidir rapidamente quem vai ser o buscador do time de vocês.

Me voltei para meu time. Instintivamente, olhei para Felipe, que estava com os olhos verdes e a expressão um pouco desconfortável.

— Tá tudo bem? — perguntei.

— Tá. Esse jogo é legal. Eu só não quero ser o buscador.

Não foi preciso. Várias pessoas se candidataram e começaram a competir, com argumentos sobre correr mais rápido, ser mais ágil ou coisa do tipo. Por fim, um menino chamado Susano acabou sendo escolhido.

— Todo mundo pronto? — perguntou Sunny. — Ok, agora todos os escondidos coloquem a faixa do time no braço direito, e os buscadores colocam na cabeça. Depois disso, os buscadores podem ir para sua prisão.

— Onde fica a nossa prisão? — perguntei.

— Perto do ginásio, mas não vamos precisar dela — disse Felipe. Depois, chegou perto de mim e falou baixo. — Já tenho um lugar pra gente se esconder.

Eu assenti, concordando.

Depois de um pouco de enrolação, chegou a hora da contagem. Sunny passou a usar um megafone.

— Todos os buscadores já estão em posição de contagem. Escondidos, vocês terão 120 segundos para encontrar um bom esconderijo.

Ela olhou para o lado, onde um cronômetro projetado marcava dois minutos.

— Atenção. Preparar. Apontar. Já!

Eu nem consegui ver o cronômetro começar a rodar. Felipe segurou a minha mão e começamos a correr na direção do lado direito do campus, olhando pela entrada. Isso teria sido algo tranquilo de lidar, se não fosse o mar de outros alunos fazendo a mesma coisa: correndo em direções aleatórias com toda a sua fúria, alguns em duplas ou trios, gerando muitos esbarrões.

Cortamos caminho por cima de um dos jardins, que era teoricamente uma área proibida de pisar, mas quem se importa numa hora dessas? Percebi que estávamos indo mais ou menos na direção do refeitório, mas mudamos bruscamente de direção.

— Por aqui — disse ele, passando a ir na direção da frente da escola.

Passamos pela quadra da recepção de calouros e por um pátio onde estava a prisão da Fluorita. De olhos vendados e contando, estava Enrique, o loirinho bombado do cheerleading das Raposas. Irônico estar no time roxo, mas no momento eu só conseguia me preocupar com o cronômetro, que estava quase no fim.

Entramos no bloco de Ciências Naturais e viramos à esquerda, onde havia uma rampa levando ao andar de cima. A partir dali, diminuímos um pouco o passo, enquanto subíamos. A parede ao lado tinha alguns cobogós que permitiam ver parcialmente o lado de fora, e eu percebi Felipe vigiando a prisão Fluorita enquanto subíamos.

— Por que viemos para um lugar tão óbvio? — perguntei. — Aqui é o primeiro lugar onde ele vai procurar.

— Por isso mesmo — disse ele. — É óbvio demais. Mas o Enrique é muito burro pra pensar em subir a rampa.

Franzi o cenho, e não demorei a entender o que estava acontecendo. Felipe não era o tipo de pessoa que chamaria qualquer pessoa de burra. Puxei o ombro dele, obrigando-o a olhar pra mim.

— Você de novo? — resmunguei.

— Quer ficar quieta? — sussurrou ele. — Se continuar assim, aí mesmo que ele vai nos achar.

Chegamos no primeiro patamar da rampa, que tinha uma boa vista da prisão Fluorita através dos cobogós. Fazia alguns segundos que a contagem tinha acabado, e Enrique estava fazendo uma análise do perímetro, andando próximo da prisão e observando tudo antes de começar a procurar, o que achei uma ideia bem sensata.

— Já entendi que não gosta de mim — sussurrou Vermelho. — Mas tem que confiar. Vamos ter que trabalhar juntos hoje.

— Juntos? Eu só tô vendo você dando ordens e eu obedecendo igual a uma otária.

— É porque você é caloura, e eu sou veterano.

— 2º semestre não é veterano.

— Eu já joguei esse jogo — insistiu ele. — Eu sei o que eu tô fazendo.

Enrique finalmente começou a criar uma trilha, que vinha na direção da entrada do bloco de Ciências Naturais.

— Tô vendo — murmurei, enquanto puxava Vermelho para continuar subindo a rampa.

Tentamos ser silenciosos ao subir, e alcançamos o primeiro andar. Eu continuei a fim de subir para o segundo, mas Vermelho me puxou em outra direção. Eu o encarei sem paciência, mas o olhar dele, com as sobrancelhas erguidas, parecia repetir o pedido “confia”.

Ele me puxou para uma pequena entrada que havia naquele patamar, um corredor com duas pequenas salas; só quando eu passei pela fita preta e branca na porta, notei que estávamos entrando no banheiro feminino.

Minha vontade era gritar que ele era maluco, mas não tínhamos mais tempo. Ele me conduziu para uma das baias. Entramos de forma bem apertada, ficando do lado esquerdo do vaso sanitário e eu fechei a porta. A partir dali, ficamos em silêncio por um tempo. Não vou mentir, eu estava um pouco apavorada.

Lentamente, virei meu rosto para encarar Vermelho, que só levantou o indicador pedindo silêncio. A expressão dele estava preocupada e alerta.

Desenhei com os lábios o que estava entalado em minha garganta.

“Aqui é proibido!”.

Ele deu de ombros com aquele sorriso travesso. Claro que ele sabia que os banheiros eram proibidos, sabia até melhor que eu. E não era como se não fosse dar tempo de subir mais um lance de rampa; mas, é claro, aquela era a forma mais rápida e segura de nos escondermos, embora não fosse correta.

Ouvimos alguns passos no patamar. Alguns bem perto do banheiro, passando para a área das salas. Depois de algum tempo, voltou para perto do banheiro. Andou por algum tempo e depois começou a se afastar.

Fiz uma indicação com o dedo para cima e para baixo, com uma expressão confusa. Era uma pergunta. “Subiu ou desceu?”. Vermelho apontou para baixo. “Desceu”.

Depois de mais um minuto de segurança, ele sussurrou.

— Eu acho que a barra tá limpa.

Eu assenti e abri cuidadosamente a porta.

— Eu vou olhar.

Saí com cautela e fui espiando para ver se havia alguém à vista no patamar. Não tinha nada, nem som de passos ou vozes.

Voltei para a porta.

— Pode vir — eu disse, em voz baixa.

Vermelho saiu e olhou pra mim.

— Pra onde a gente vai agora? — perguntou ele.

Ergui as sobrancelhas, positivamente surpresa.

— Eu que decido?

— Não era isso que você queria? — ele pareceu um pouco irritado, mais para confuso.

Eu sorri.

— Vamos subir. Acho que estaremos mais seguros lá.

— Ok — concordou ele.

Começamos a subir a rampa, e ele voltou a olhar os cobogós.

— Daqui não dá pra ver a prisão — ele disse. — Eu queria salvar alguém do nosso time, se tiver lá.

— Ainda é cedo pra isso — argumentei. — Quase que os primeiros prisioneiros da Fluorita fomos nós. Vamos dar um tempo aqui em cima.

Subimos para o 2º andar e entramos na área das salas. Ali havia algumas janelas de vidro com persianas, onde podíamos ver uma boa área do campus, e dificilmente seríamos vistos. Afastei um pouco a persiana e tentei ver a prisão Fluorita. Enrique acabava de chegar com dois prisioneiros da Cornalina.

— Se alguém subir a rampa estamos ferrados, né? — perguntei.

— Tá brincando? Tem um monte de salas atrás de nós.

— Estão abertas?

— Alguma deve estar.

— Então verifica, por favor — insisti, ainda olhando pela janela. — Temos que ter uma rota de fuga para qualquer emergência.

Continuei observando as movimentações coloridas no pátio, enquanto ouvia Vermelho checar as portas.

— Esse laboratório tá bom pra se esconder — informou ele. — Tem muitas bancadas.

— Legal. Deixa a porta aberta e vem me ajudar a vigiar.

Ele apareceu do meu lado, debruçando na janela. Eu não olhei para ele, mas senti que estava sendo observada.

— Você é uma boa líder — disse ele.

Desviei um pouco o olhar para ele, e voltei para o campus. Parte de mim queria agradecer pelo elogio, mas a maior parte ainda estava chateada. Eu deveria estar jogando com Felipe.

— Jeito legal de me chamar de mandona. 

Ele pareceu hesitar um pouco.

— Você não gosta muito de mim, né?

— E quem gosta? Você se mete toda hora onde não é chamado, e ainda vem com essa arrogância toda.

— Ah, e você é um poço de delicadeza, né, Eduarda — disse ele, impaciente. 

— Eu só sou grossa com quem me faz perder a paciência — esclareci. — E você manda bem nisso.

— Por quê? Me explica bem, que eu ainda não entendi: por que eu tenho menos direito de usar o meu corpo do que o Felipe?

Eu fiquei encarando-o por um tempo. Eu não tinha a resposta para aquela pergunta. Tive que pensar um pouco para formular algo, embora não fizesse tanto sentido para mim.

— Bom… o corpo é dele, não é?

— Não, o corpo é nosso. Você conheceu Felipe primeiro, com esse jeito de coitadinho. Aí, quando eu apareço, todo mundo me acha o vilão da história. Mas ninguém pensa como é difícil pra mim passar tanto tempo preso na minha própria mente. Você sabe como é lá? Já esteve em sua mente Duda? É escuro e vazio. Eu não recomendo, especialmente não por uma quantidade de tempo tão grande.

Eu não sabia o que dizer. Me senti idiota por nunca ter percebido aquilo. Ninguém, nem mesmo Felipe, havia me dito que o corpo era dele e que Vermelho era apenas um intruso. Ainda assim, me foi conveniente assimilar isso. O que me restava? Apenas assumir meu erro e tentar corrigi-lo de alguma forma.

— Eu sinto muito, Vermelho — eu disse, tentando soar o mais gentil possível. — Eu realmente não sabia.

Ele me olhou, ainda chateado, mas um pouco surpreso. Certamente não estava esperando esse posicionamento. Dava para ver que ele também tinha ideias equivocadas sobre mim.

— Agora que eu sei disso, as coisas vão ser diferentes — garanti. — Eu vou fazer de tudo para que você também tenha seu tempo de direito usando o corpo.

Ele suspirou

— Você não precisa se meter nisso. Não é um problema seu.

— A partir de agora, é. Eu sei que Felipe não gosta de não estar no controle, então... ele deveria imaginar que você também não gosta. Eu vou fazer com que ele perceba isso, e vocês vão ter que começar a negociar! É como dois irmãos dividindo um quarto, precisam ter regras e acordos.

Ele deu uma risada um pouco debochada e desanimada.

— Eu duvido que ele vá aceitar. Ele me acha o grande vilão da história. Olha... eu cheguei depois, é verdade. Parece que eu estou invadindo e tal, mas... Eu não escolhi isso. Eu nasci em um corpo que não é só meu. E... por incrível que pareça... eu também sou uma pessoa. Eu sou um ser humano igual a ele, então...

— Então tem que fazer com que ele saiba disso.

Ouvimos passos na rampa, e logo corremos para o laboratório, fechando a porta em seguida.

— Por aqui — indicou ele, contornando as bancadas e indo para uma das últimas. Nos abaixamos atrás dela e entramos no vão.

— Ouviu os passos? — sussurrei. — Parecia ser mais de uma pessoa.

— Ouvi. Isso é estranho. Os buscadores não costumam se aliar.

Ficamos em alerta quando os passos se aproximaram. As pessoas pareciam com pressa. A porta se abriu, o que me fez ficar instintivamente paralisada.

— Aqui não parece ser a prisão Fluorita — disse uma voz feminina, com tom de falsa atuação.

Demorei alguns segundos para reconhecer, mas era Valentina.

— Eu decido onde é a prisão — disse Enrique. 

Logo depois, começamos a ouvir o som dos beijos. Eu demorei para processar a situação, mas só conseguia pensar “isso não pode estar acontecendo”. É pra isso que as pessoas vêm pra faculdade? E por que no meio de um pique-esconde?

Vermelho, depois de muitas expressões incrédulas, olhou pra mim e desenhou com os lábios. “Já volto”. Logo em seguida, ele fechou os olhos e tremeu por uma fração de segundo. Quando voltou à tona, os olhos estavam verdes. Felipe franziu o cenho, e eu logo levei o indicador aos lábios, pedindo silêncio. Ele demorou ainda alguns segundos para entender que estávamos no pique-esconde, e que não éramos os únicos a ignorar as regras.

De repente, ouvimos um estalo, como alguém batendo em um vidro. O som da pegação parou logo em seguida.

— O que foi isso? — perguntou Valentina, parecendo mais intrigada do que com medo.

— Não foi nada, deixa pra lá — disse Enrique, e eu apostaria que ele estaria tentando beijá-la de novo, mas outro estalo aconteceu em outro lugar da sala.

— Tem alguém aqui — disse Valentina, um pouco irritada.

Houve alguns segundos de silêncio. E, então, o som de uma pequena explosão, que deveria ser um béquer se espatifando. Em seguida, outro e depois outro.

— Vamos embora — disse Enrique, alarmado.

— Você não acha que é uma assombração, né? Claramente é algum aluno idiota tentando pregar uma peça na gente.

— Mesmo assim...? Vai ficar aqui pra qualquer um pregar uma peça em você?

— Você é o buscador. Tem que pegar quem quer que seja.

Eu não conhecia Enrique tão bem assim, mas, pelo pouco que sabia, ele deveria estar sim morrendo de medo.

— Começando com você. Vamos, a prisão Fluorita está te esperando.

Valentina bufou enquanto os dois saíam da sala com certa urgência, e mais algumas explosões aconteceram.

Quando eles saíram, fechando a porta, ficou o silêncio. Ficamos ali mais algum tempo, até a voz de Vermelho aparecer.

—Tudo bem, eles já foram. A barra tá limpa.

Eu e Felipe saímos debaixo da bancada. Quando nos levantamos, ficando na altura da janela da sala, estávamos de frente para o reflexo de Vermelho.

— Mandou muito bem — eu disse.

— É, mas eles são burros — disse Vermelho. — Uma busca rápida daria em vocês.

— E era esse seu plano? — perguntou Felipe, confuso.

— Claro que não, eu pretendia zonear bastante e eles teriam que sair de qualquer jeito.

— Olha, vocês conversam, que legal! — eu disse, um tanto irônica. — Tava precisando mesmo conversar com vocês ao mesmo tempo. 

— É, mas agora não é hora, Duda — disse Vermelho. — Vocês precisam continuar o jogo. Já tá na hora de descer e dar uma olhada nas prisões para tentar libertar os prisioneiros do nosso time.

— Ok — eu disse, e olhei para Felipe. — Consegue me ajudar ou prefere passar pro Vermelho?

Felipe hesitou um pouco, mas não era a insegurança de sempre. Ele parecia surpreso com a minha sugestão.

— Eu consigo — disse ele, sério.

— Certo. Vermelho, se quiser nos dar cobertura pelos reflexos...

— Deixa comigo.



~


MAYA

segunda

19h10


Eu e Taesung estávamos andando apressadamente por um dos corredores no 1º andar. Nossa estratégia vinha sendo manter o mesmo esconderijo, mas a área começou a ficar movimentada demais, por outros escondidos; então, decidimos pegar nosso rumo.

Estávamos expostos e, por isso, muito nervosos.

— Você sabe pra onde estamos indo? — perguntou ele.

— Achei que você tivesse um plano — argumentei. — Eu não conheço o campus tão bem assim.

— Pra esse lado eu não conheço nada. Acho que juntar dois calouros não foi boa ideia.

Alguém pigarreou atrás de nós, e soubemos que estávamos perdidos. Nos viramos para encarar Lognard, que geralmente era um bom parceiro na estufa; agora, com a faixa azul na cabeça, ele era o buscador da Sodalita.

— Não foi boa ideia mesmo. Vocês estão perdidinhos. Mas não se preocupem: vou leva-los pacificamente para a prisão Sodalita e tudo se resolve.

Eu e Taesung nos encaramos. Era um pouco frustrante, mas ele ensaiou um sorriso divertido.

— Tá achando graça disso? — perguntei, tentando não rir, enquanto seguíamos Lognard.

— É só um jogo — disse ele, como se fosse a coisa mais simples do mundo. — Agora vamos ficar bem de boa na prisão até acabar.

— A não ser que vocês sejam resgatados, mas eu não vou deixar isso acontecer. Quer dizer, não se vocês fizerem a gentileza de apertar o passo.

— E por que eu deveria? — perguntei, brincando.

Ele riu.

— Para manter o “pacificamente”, Maya.

Demos uma corridinha para alcançar a prisão sodalita, que ficava perto da piscina. Lognard parecia estar indo muito bem, já que havia dois prisioneiros da Citrina e três prisioneiros da Amazonita.

— Tá meio cheio, aqui — debochou Taesung, entrando no quadrado.

— Se depender de mim, vai ficar mais — disse Lognard, antes de iniciar sua corrida para longe. 

Taesung se sentou no chão da prisão, e eu o acompanhei.

— É... — murmurou ele. — Não foi bem isso que eu planejei para a minha noite de segunda-feira.

— Eu também não. Deveria estar no treino de vôlei. Mas você é uma boa companhia.

Ele sorriu.

— Vamos aproveitar a oportunidade para planejar os próximos passos.

— Cercados de inimigos? Você tem certeza?

Ele olhou com cautela para os demais prisioneiros, que não pareciam muito atentos à conversa.

— É algo simples. Ouvi os veteranos dizerem que a gincana termina com uma competição de performance para definir o rei e a rainha da festa.

— Huhum, o que tem?

— Eu pensei em nos candidatarmos.

Ergui as sobrancelhas, incrédula.

— Acha que devemos performar juntos?

— É claro! 

Fui obrigada a rir.

— E o que faz você pensar que eu levo jeito pra isso?

— Você é uma menina de muitos talentos, pelo que eu soube... boa com as plantas, joga vôlei e até cogitou entrar para a arqueria... mas eu não sei, tô só chutando. 

— E você não acha que, se eu tivesse algum talento, já teria ido atrás do coral?

— Com tantas possibilidades, teria sido esse o seu foco?

— Talvez?

— Para de me enrolar, Maya — brincou ele. — “Sim”, “não” ou “vou pensar”?

— Vou pensar, mas fica mais fácil se já tiver uma ideia pra essa tal performance.

— Ah, eu tenho várias ideias, mas isso sim acho bom discutir longe de certos ouvidos.

Houve alguma agitação dentro da prisão quando um grupo se aproximou. Para minha surpresa, não era Lognard chegando com mais prisioneiros. Duda e Felipe tinham vindo resgatar seus companheiros de time.

— Vamos lá, Amazonitas! — sussurrou Felipe, puxando os três prisioneiros. 

— Ih, olha quem tá aqui também! — disse Duda, bem-humorada, ao me notar.

Felipe finalmente olhou para mim, com aquele sorriso encantador.

— É, princesa, não vai ser dessa vez que eu vou te salvar. Mas não vejo a hora disso acontecer!

Eu sorri como uma idiota enquanto os cinco viravam para correr para o primeiro esconderijo que vissem. Eu apostava que Lognard ficaria muito bravo quando chegasse.


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